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Quantidade versus qualidade

Renato M.E. Sabbatini

Estamos, como se diz, na era da informação. Graças aos meios de comunicação eletrônica, como a rádio, a TV e as redes de computadores, nunca a informação foi tão abundante e tão barata. Imaginem quantos bilhões são gastos anualmente pelas emissoras para gerar informação e colocá-las, gratuitamente (ou quase) em nossas casas, todos os dias. É verdade que boa parte do que eles transmitem tem apenas o entretenimento como objetivo, mas é literalmente impossível separar informação (por definição, tudo o que reduz nossa ignorância !) de passatempo. Até mesmo as novelas, que deixaram de ser vilipendiadas depois que respeitáveis professores universitários analisaram seu conteúdo e seu papel social, sempre trazem informação, como, por exemplo, uma novela da Globo que recentemente deu verdadeiras aulas sobre a recuperação física e sexual de pessoas paraplégicas, representadas pelo ator Nuno Leal Maia.

O papel dos meios de comunicação de massa na divulgação de conhecimentos científicos: é exatamente isso o que vamos ver na próxima semana em Belo Horizonte, quando ocorrerá mais um Congresso Brasileiro de Jornalismo Científico, um grande e importante evento, no qual estão envolvidos, como sempre, vários colegas de Campinas, como o elétrico Roberto Medeiros, assessor do Laboratório Nacional de Luz Sincrotron, e especialmente do Correio Popular, como nossos chefes, o Wilson Marini e o Roberto Godoy, ambos jornalistas científicos de quatro costados e militantes da Associação Brasileira de Jornalismo Científico, que promove o evento.

Eu estarei participando como palestrante de uma mesa intitulada "Informação Eletrônica: Quantidade versus Qualidade". O título é intrigante, e realmente reflete um problema cada vez maior. A medida em que aumenta vertiginosamente a massa de informação sendo divulgada pelos meios eletrônicos, começa a ser um problema separar "alhos de bugalhos", ou seja, a informação "boa", "útil", da que não é. Coloco essas coisas entre aspas, porque são conceitos altamente relativos. O que é bom e útil para uma pessoa pode não ser para outra. O conceito de qualidade, sem dúvida nenhuma uma meta desejável na disseminação de qualquer tipo de informação, é uma entidade ilusória e difícil de caracterizar. Com relação às chamadas belas artes, à literatura e à estética, esse conceito é mais bem estabelecido do que na divulgação científica. Por exemplo, todo mundo consegue distinguir com maior facilidade entre uma literatura de alta qualidade (digamos, um conto de Guimarães Rosa) e uma de baixa qualidade (um conto dessas revistinhas tipo 'Bianca"...). Em ciência, isso já é mais difícil: talvez o conceito de qualidade esteja mais ligado ao fato de se a informação é correta, por exemplo.

Um fator decisivo para a qualidade da informação científica é quem a está gerando, ou seja o jornalista ou divulgador científico ? Segundo o Dr. John Wilkes, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, que tem um dos melhores programas de pós-graduação em jornalismo científico, essas pessoas têm várias características de personalidade em comum: eles adoram o que fazem, vivem à busca de novidades, e são mais sociáveis que a maioria dos cientistas. Gostam de conversar com os outros e de fazer perguntas intermináveis sobre tudo. Geralmente também são pessoas que fazem várias coisas ao mesmo tempo, e têm vários interesses na vida além de fazer ciência. Outra característica interessante, é que embora essas pessoas levem o seu trabalho a sério, "elas são humildes, e se preocupam apenas que os seus leitores compreendam bem a mensagem que eles estão passando e se divirtam com isso. Essas qualidades de humildade e ludicidade são fundamentais para o sucesso de um divulgador científico. Não adianta ter somente todo o conhecimento científico desse mundo e habilidade para escrever. A razão para o insucesso nessa área é sempre o mesmo: o cientista se recusa a "descer" do seu pináculo de realizações (científicas) e se misturar com a turma da rua. Felizmente, poucas dessas pessoas têm vocação para a divulgação científica."

A nata dos divulgadores científicos estará reunida em Belo Horizonte. Depois eu conto.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 29/2/96.
Autor: Email: renato@sabbatini.com
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