Indice de Artigos

Orgia de computadores

Renato M.E. Sabbatini

Outro dia recebi uma revista de computação acadêmica dos EUA, e passei um tempo admirando a seção de anúncios de ofertas de emprego (não que eu queira me mudar para lá, mas as vezes é instrutivo ver que tipo de gente as universidades americanas estão procurando). Fiquei surpreso principalmente com a riqueza dos recursos de que dispõe. De modo a atrair os melhores candidatos para vagas de pesquisadores, os departamentos costumam colocar nos anúncios o "hardware" de que dispõem. É assustador, principalmente para as pobres universidades brasileiras: aparentemente estimulados por uma infusão de verbas sem precedentes, os departamentos de Informática norte-americanos têm realizado nos últimos anos uma verdadeira orgia de gastos em equipamentos. Um pequeno exemplo, tirado de um desses anúncios: o departamento de Informação e Ciência da Computação da Universidade da Califórnia em Irvine possui, entre outros, 175 moderníssimas estações de trabalho do tipo Sun 3 e 4, 300 microcomputadores Apple Macintosh Plus e II, dois supercomputadores paralelos, um Sequent e um Hypercube; todos conectados a uma rede imensa de computadores de grande porte da universidade (IBM, CDC e DEC). Tudo isso para apenas 29 docentes e 120 estudantes de pós-graduação... Para se ter uma idéia do que isso representa, a Unicamp inteira, que é considerada uma das mais bem equipadas universidades da América Latina, tem um número menor de estações de trabalho, com modelos mais antigos, e dispõe de apenas um Hypercube. Não tem microcomputadores Mcintosh. A Unicamp tem 2.000 docentes de 6.000 alunos de pós-graduação. A conclusão é que, com toda essa riqueza, a distância que nos separa científica e tecnologicamente dos EUA vai aumentar cada vez mais vertiginosamente nos próximos anos.

Os supercomputadores representam outra área onde os governos dos países desenvolvidos estão investindo maciçamente. Um supercomputador é considerado hoje um equipamento essencial para o progresso tecnológico. Ele se caracteriza por realizar operações matemáticas a velocidades altissimas, e tem utilidade em diversas aplicações científicas e tecnológicas, como em energia nuclear, física e engenharia dos materiais, engenharia aeronáutica, ciência espacial e astronomia, física de altas energias, química teórica e aplicada, processamento gráfico de alta velocidade, etc. Existem atualmente supercomputadores, fabricados pela Fujitsu, capazes de realizar 10 bilhões de operações por segundo (10 GIPS, ou giga-operações por segundo). Os pesquisadores já estão se preparando para produzir o TERAOPS, o supercomputador do ano 2000, com capacidades de processamento de pelo menos 1 trilhão de operações por segundo (1 tera-operações por segundo).

Atualmente, os países que tem maior número de supercomputadores instalados são os Estados Unidos e o Japão. Até o final do século estarão instalados mais de 2.000 supercomputadores em todo o mundo. É o resultado de um estudo encomendado pelo Senado norte-americano, que aprovou recentemente uma legislação incentivando o desenvolvimento e instalação acelerada de computadores de alto desempenho e novas redes de pesquisa no país (projeto HPCC, ou High Performance Computing and Communication). A lei cria um fundo de mais de 2 bilhões de dólares para financiar projetos de pesquisa nessa área vital da Informática, nos próximos cinco anos. Se adotado logo, estima-se que este investimento dará um retorno 140 vezes maior, colocando novamente os Estados Unidos em pé de igualdade com o Japão, que fez notáveis avanços nesta área, na última década. Os Estados Unidos terão 46 % dos supercomputadores instalados mundialmente no ano 2000, enquanto que o Japão (35 %) e a Europa (16 %) terão a maioria das máquinas restantes. Segundo Steven Wallach, presidente da Convex Computer Corp., uma das maiores fabricantes de supercomputadores dos EUA, "a diferença é que os EUA vêem a supercomputação apenas como outro mercado potencial que necessita financiamento, enquanto que o Japão a considera de importância vital e estratégica". Se o projeto HPCC não for implementado, alertam os analistas da indústria, o Japão assumirá a dianteira, com 41 % dos supercomputadores instalados, contra 37 % dos americanos.

E o Brasil ? Estamos mal, como em quase tudo. Com raras exceções, como a USP, a Unicamp e algumas poucas universidades federais e institutos de pesquisa, a penúria é enorme. Computadores obsoletos, baixa disponibilidade de recursos para os professores e alunos, etc. A Unicamp e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul tem supercomputadores, porém são modelos bastante lentos e ultrapassados, pois atingem menos de 1 bilhão de operações por segundo. E o pior: não há nenhum plano governamental digno de nota no sentido de nos tirar desse atraso.


Publicado em: Jornal Correio Popular, 26/11/92, Campinas,
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br
WWW: http://www.nib.unicamp.br/sabbatin.htm Jornal: cpopular@cpopular.com.br

Copyright © 1992-1995 Correio Popular, Campinas, Brazil