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O virus da Informática

Renato M.E. Sabbatini

As implicaç_es sociais, econômicas e culturais trazidas pela crescente informatização das sociedades são tantas e tão complexas, que seguidamente a realidade ultrapassa os enredos mais delirantes da ficção científica. Um exemplo: os vírus de computadores.

Os meios noticiosos têm comentado muito sobre diversos vírus de software, como o Michelangelo e o Jerusalém, que "infectaram" subrepticiamente milh_es de microcomputadores em todo o mundo, causando um enorme dano. Ambos tem data marcada para entrarem em ação, o primeiro na data de aniversário do famoso artista renascentista, 6 de abril, e o segundo, em qualquer sexta feira, dia 13. Os primeiros vírus apareceram há mais de quatro anos, mas seu recrudescimento está assustando muito os especialistas de todo o mundo. Se continuar nesta progressão, o fenômeno poderá se transformar em uma verdadeira ameaça para a própria Informática. Para se ter uma idéia, até o primeiro semestre do ano passado, eram conhecidos pouco mais de 200 vírus diferentes. Hoje em dia, conhece-se mais de 1.200 vírus, e eles estão aumentando à razão de 10 a 20 por mês ! É como se fosse, não uma, mas centenas de epidemias como a da AIDS, surgindo todo novo ano.

O que é um vírus de computador ? É um pequeno programa escondido dentro de um outro programa de aparência inocente (geralmente programas pirateados, que são muito copiados). O vírus é programado para reconhecer um alvo (geralmente outro software), toda vez que o programa portador for acionado. Se esse reconhecimento for feito, ele se transfere para dentro do programa-alvo, ocupando uma área não utilizada, e alí pode ficar dormente, até ser ativado por algum "gatilho" (uma data, por exemplo). A analogia com o vírus orgânico é bastante adequada: ele é um organismo extremamente pequeno, quase indetectável, que se reproduz dentro do organismo hospedeiro, utilizando seu próprio sistema genético, e contra o qual o organismo tem poucas defesas.

O problema é seriíssimo , pois existem, em todo o mundo, mais de 100 milh_es de microcomputadores. Muitos destes são usados profissionalmente, representando um suporte vital às atividades diárias e à própria sobrevivência de centenas de milhares de empresas de todos os portes. Além disso, uma boa parte deles está conectada a redes de telecomunicaç_es complexíssimas, que facilitam um intenso e rápido intercâmbio de programas e de dados. Se o vírus de software se tornar um perigo muito difícil de evitar, cairá dramaticamente a confiança dos usuários nos computadores. Você nunca terá condiç_es de saber se o programa que comprou (ou ganhou) irá destruir coisas em seu micro, ou pior, alterar de forma sutil o comportamento dos programas que você já tem.

Para mim, é fascinante a analogia com as doenças humanas causadas por vírus, como a AIDS. O organismo humano, por exemplo, tem uma série de barreiras naturais contra a sua própria alteração: o sistema imunitário é o principal deles. Uma série de alarmes avisa o sistema quando algo "estranho" penetra no organismo, e coloca as defesas em ação. Analogamente, um programa de computador pode se auto-testar periodicamente, para verificar se alguma parte de sua estrutura foi alterada por agentes externos. Já existem, também, programas que funcionam como "vacinas", combatendo o vírus antes que ele entre, e até "médicos" de computador, que são empresas especializadas em combater surtos de vírus ! Portanto, a prevenção é a arma mais efetiva contra as infecç_es. Como a AIDS forçou uma volta à monogamia, ou pelo menos uma limitação dos contatos sexuais com desconhecidos, os usuários dos computadores, frente à nova ameaça, deverão "evitar" programas pirateados, o acesso indiscriminado às redes, etc. Vai ser muito difícil mudar os hábitos computacionais já adquiridos (como ocorre também com a AIDS), mas será necessário para limitar as "epidemias" que surgirão no futuro.

A engenhosidade destes verdadeiros criminosos e irresponsáveis que estão produzindo vírus de computador não conhece limites. A última novidade são vírus que sofrem mutaç_es, ou seja, alteram sua própria estrutura a cada ciclo de reprodução, de modo que se torna extremamente difícil desenvolver vacinas e detectores contra eles. Mais uma vez, imita-se a biologia (esta uma das características do vírus da gripe, contra o qual até hoje não se conseguiu desenvolver uma vacina). Se este tipo de vírus realmente se espalhar, vai ser uma catástrofe.


Publicado em: Jornal Correio Popular, 8/10/92, Campinas,
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