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A inteligência invisível

Renato M.E. Sabbatini

Inteligência Artificial. Essa é uma das palavras mágicas da Informática, em moda, e que tem um tremendo apelo de marketing. Basta ver o número de propagandas que falam que tal videocassete é "inteligente", ou outras coisas que recebem esse epíteto ("inteligente"), a torto e a direito, banalizando-o, mas sem nunca deixar claro o que ele realmente significa. Para a maioria das pessoas, ela evoca a imagem de tecnologias sofisticadas e inacessíveis, de difícil compreensão para o leigo.

Acontece que não é nada disso. Inteligência Artificial nada mais é do que um conjunto de tecnologias computacionais que têm por objetivo imitar processos intelectuais humanos (raciocínio, decisão, resolução de problemas, planejamento, reconhecimento de padrões, etc.). Pode ser muito simples, ou muito complexa, dependendo da tarefa. Por exemplo: o programa que faz o tal do videocassete ser "inteligente" usa muito pouco das técnicas de programação desenvolvidas pela IA. É apenas um programa com uma capacidade relativamente limitada de decisão, corporificada através de algumas centenas de comandos do tipo IF....THEN (se... então), que qualquer linguagem de programação simbólica tem.

Os programas de IA têm mais recursos do que isso. Eles usam lógicas mais sofisticadas, e são capazes de decidir, usando um número grande de fatos e axiomas, que são armazenados no computador na forma de uma base de conhecimentos. Exemplo: um sistema inteligente capaz de diagnosticar doenças no sangue, chamado sistema especialista (ou sistema expert), armazena centenas de fatos do tipo: "o eritrócito é uma célula sangüínea", "hemácia é sinônimo de eritrócito", "um eritrócito não tem núcleo", e assim por diante. Esses fatos são representados internamente no computador, de forma que permita preservar suas relações semânticas (de significado). Assim, por exemplo, se o sistema necessitar saber se hemácia tem núcleo, embora essa relação não esteja preservada diretamente na base de conhecimento, o programa será capaz de deduzi-la de forma autônoma, aplicando procedimentos lógicos do tipo SE A ENTÃO B (se a hemácia é o eritrócito e se o eritrócito não tem núcleo, então a hemácia não tem núcleo). Em lógica, isso se chama "modus ponens", que é uma operação mental que usamos muito em nosso dia a dia.

Já um axioma é um conjunto de asserções, que se forem verdadeiras, levam a uma determinada conclusão. No mundo da IA, isso recebe o nome de "regra de produção". Um exemplo, ainda na área médica: "se o nível de hemoglobina é baixo, se o volume citoplasmático é baixo, e se o conteúdo de hemoglobina por hemácia é baixo e se o número de células brancas é normal, então o diagnóstico provável é anemia ferropriva microcítica". Sistemas como esse, contendo milhares de fatos e axiomas sobre um determinado domínio do conhecimento, têm um desempenho surpreendentemente alto, chegando a se equiparar a especialistas humanos, em capacidade de resolução de problemas.

Entretanto, apesar de sua potência e utilidade, os sistemas especialistas encontraram muito pouca aplicação prática no mundo real. Fora da indústria financeira, que os utiliza bastante (diz-se que alguns bancos e financeiras americanos têm centenas de programas desse tipo, que fazem de tudo, desde a recomendação do melhor tipo de investimento, até a análise do cadastro de pessoas que estão pedindo empréstimos). Em Medicina, Engenharia, Direito, etc., que representam um campo fabuloso de aplicação dessa tecnologia, eles são pouco utilizados, e a razão tem muito mais a ver com problemas de aculturação e tradição, do que com tecnologia.

A coisa está mudando gradualmente, entretanto, e o seu nome é: "inteligência embutida". São os sistemas baseados em IA que são colocados em um aparelho, máquina ou função, e que desempenham suas atividades de forma contínua e transparente (o usuário nem sabe que o programa está lá). Por exemplo. muitos automóveis de topo de linha, como o BMW, já incorporam dez ou mais microprocessadores à sua eletrônica de bordo. Ao dar a partida no automóvel, um programa de diagnóstico automático entra em ação, verificando a função em numerosos pontos do motor, sistema elétrico, lubrificação, segurança, etc. Se alguma coisa estiver errado, aparece uma mensagem no painel de instrumentos. Máquinas mais modernas de xerox também têm esse recurso.

A inteligência embutida tende a ser cada vez mais comum. No futuro, estaremos em contato diário com centenas desses programas, embutidos de forma transparente em nossos eletrodomésticos, automóveis, cartões de crédito, casas, computadores PC, telefones, terminais bancários, canais de TV a cabo, etc. Nossas vidas passarão a ser uma complexa, fascinante e envolvente interação contínua entre a inteligência humana e a inteligência das máquinas...


Publicado em: Jornal Correio Popular,Caderno de Informática, 31/10/95, Campinas,
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