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O novo papiro

Renato M.E. Sabbatini

Os livros são um dos pilares da civilização moderna. Desde a invenção da escrita, o ser humano sentiu a necessidade de armazená-la de forma permanente (daí o nome, em inglês, de "hardcopy", ou literalmente "cópia duradoura").

Primeiro, foram usados tabletes de argila, pelos fenícios, caldeus e assírios. Depois surgiram os manuscritos em papiro (inventado pelos egípcios, a partir da polpa de uma espécie de junco que cresce no delta do Nilo), em papel (inventado em 200 AC pelos chineses) e em pergaminho (couro de cabra ou de boi, raspado e curtido, inventado no reino de Pergamum, no atual Iraque, também em 200 AC). Os manuscritos tinham uma grande vantagem em relação aos tabletes: permitiam a produção de textos de grande comprimento, como os papiros, que eram produzidos na forma de rolos (o maior deles, o papiro de Harris, exposto no Museu Britânico, tem 41 metros de comprimento !), e os pergaminhos, que eram cortados em retângulos, dobrados em dois e costurados na dobra. Eles foram os precursores dos primeiros livros, as iluminuras da Idade Média, que eram laboriosamente escritos à mão. Eram tão caros, e raros, que somente os ricos podiam possuir livros, na época.

Foi somente em 1456, entretanto, que a civilização moderna decolou, com a invenção dos tipos impressores móveis de chumbo, pelo alemão Johannes Gutemberg, e com a industrialização e comercialização maciça dos livros. Eles levaram à uma enorme revolução social e econômica, representada pela replicação barata do conhecimento através dos livros impressos. Tornou-se possível a universalização do ensino, a criação de bibliotecas populares, o aparecimento da imprensa diária, das revistas científicas e de tantas outras coisas. Seria difícil imaginar nossa civilização sem a imprensa.

Pois bem, parece que estamos agora à beira de uma revolução tão importante quanto a deflagrada por Gutemberg. O surgimento de meios baratos de replicação do conhecimento através das memórias digitais e discos óticos, como o CD-ROM. representa o "novo papiro", segundo as palavras de Bill Gates, o mago tecnológico e empresarial, criador da Microsoft, e profeta da nova era. Este foi o título de uma série de dois livros extremamente importantes editados por Gates em 1987 e 1990, onde foram traçadas as bases da atual tecnologia de CD-ROM e do seu mercado. Com típica postura de visionário, Gates tinha concluído, muito à frente dos demais líderes da indústria, que o estabelecimento de um padrão comum de gravação e leitura dos CD-ROMs, e o barateamento dos drives e do processo de produção, representariam uma enorme oportunidade de novos negócios na era do "electronic publishing". Reuniu, então, um grupo de pioneiros da tecnologia emergente, e praticamente forçou o aparecimento de um padrão industrial, denominado Sierra (em homenagem ao local onde fizeram a reunião, nas Montanhas Rochosas dos EUA), e que mais tarde foi adotado oficialmente em nível mundial pelo IEEE (Institute of Electric and Electronic Engineers). Evidentemente, o jovem Bill não perdeu tempo, e a Microsoft foi uma das primeiras a acreditar em suas próprias profecias, e montou uma divisão de produtos de multimídia, que é enormemente lucrativa.

O "novo papiro" e suas tecnologias derivadas têm grande potencial para detonar essa nova revolução, essencialmente graças à sua enorme capacidade. Atualmente, por exemplo, é possível utilizar técnicas eficientes e rápidas de compressão, para colocar cerca de 2 a 3 mil livros com texto completo, em um único CD-ROM com 660 Mbytes de capacidade ! Os CD-ROMs do futuro, que terão capacidade entre 8 a 12 vezes maior do que os atuais, permitirão colocar bibliotecas inteiras, a um preço baixissimo. Recentemente, aliás, ouvi uma declaração impressionante de um dos líderes da National Information Infrastructure, um projeto bilionário dos EUA para aumentar o acesso à informação através de redes de computadores: o objetivo do projeto é reduzir a zero o custo da informação para seus usuários... Realmente, se imaginarmos o quanto se pode colocar de informação em um disco ótico, e qual será o preço final para o usuário, o preço por byte será praticamente desprezível. Só um exemplo: este especialista calcula que, assim que forem resolvidos os problemas de copyright, e os CD-ROMs forem um periférico padrão de todos os micros vendidos, um disco com 5 mil livros custará menos de 20 dólares. Em outras palavras, cada livro custará 0,4 centavos de dólar...

O CD-ROM tem muitas outras vantagens, mas se o compararmos com as tecnologias anteriores, o que ressalta é a grande durabilidade da informação gravada. Como o CD-ROM é feito de uma película metálica prateada, depositada sobre um disco de plástico, se ele for mantido em boas condições de temperatura e umidade, pouco se alterará ao longo dos séculos. Os tabletes se quebravam, os papiros se perdiam totalmente em menos de 100 anos, os pergaminhos freqüentemente apodreciam depois de algumas décadas, e o próprio papel dificilmente resiste a mais de 500 anos, especialmente o papel moderno, com alto conteúdo de ácido. Uma imagem colorida digital ou uma gravação sonora no CD, mantêm sua qualidade original sem alterações, e, melhor ainda, podem ser reproduzidas indefinidamente, sem qualquer perda de qualidade.

Os próprios hábitos da humanidade se modificarão com a multimídia. Atualmente, prefiro realizar uma pesquisa em uma enciclopédia eletrônica, embora ela seja muito mais primitiva e resumida do que uma enciclopédia em papel, pois a facilidade é imensamente maior. Acredito, mesmo, que em pouco tempo as gerações mais novas desaprenderão totalmente como usar o índice de uma enciclopédia convencional. É a mesma diferença que existe entre o tempo em que aprendíamos a extrair raízes quadradas manualmente, ou consultar tabelas de logaritmos, e atualmente, onde se utiliza uma rápida e eficiente calculadora eletrônica.

Não haverá volta possível.


Publicado em: Jornal Correio Popular,Caderno de Informática, 5/9/95, Campinas,
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