Indice de Artigos

A nova alfabetização

Renato M.E. Sabbatini

No final da década dos 60, uma universidade americana pouco conhecida, o Dartmouth College, iniciou, sem querer, uma revolução de enorme impacto no ensino superior e na disseminação popular do conhecimento sobre computação. Um professor de matemática da instituição, John G. Kemeny, associou-se a um especialista em computação, Thomas E. Kurtz, e criou uma linguagem de programação simples e fácil de usar, a que denominaram BASIC (significando Beginner's All Purpose Symbolic Instruction Set, ou Conjunto de Instruções Simbólicas de Propósito Geral para Principiantes). A invenção da nova linguagem foi precipitada por uma decisão da reitoria da universidade e de um grupo de professores (entre os quais Kemeny e Kurtz) de introduzir cursos básicos de computação em todas as áreas de ensino da universidade. O objetivo era simples: promover a "alfabetização" em computação de todos os calouros, não importa de que curso fossem (desde música e biologia, até engenharia e matemática). Os professores já estavam antevendo, na época, que os computadores se tornariam elementos cada vez mais importantes na sociedade, e que os futuros formandos que não tivessem conhecimentos básicos sobre computadores, estariam em forte desvantagem. Parece uma idéia simples e óbvia, mas não era assim naquela época, quando ainda não existiam microcomputadores, e apenas instituições educacionais de porte razoável tinham computadores (aliás, no Brasil dos anos 90, essa idéia parece não ter penetrado, ainda, a cabeça de muitos educadores...).

O projeto de Dartmouth tinha se tornado mais do que um simples sonho maluco, devido a um grande avanço tecnológico: o computador de tempo compartilhado. A universidade tinha acabado de comprar um equipamento RCA, que tinha como possibilidade a conexão de vários terminais remotos, que podiam ser operados simultaneamente. O computador operava através de um novíssimo sistema operacional (na época não existia o UNIX) que gerenciava esse processo, alocando um pequeno intervalo de tempo de processamento para cada terminal, em rodízio. Os terminais, por sua vez, possibilitavam a computação interativa, ou seja, as tarefas eram realizadas na forma de um diálogo contínuo entre o usuário e o computador. Hoje em dia tudo isso parece banal, mas o que aconteceu é que os conceitos desenvolvidos em Dartmouth na época, influenciaram poderosamente o desenvolvimento da indústria de computadores. Os microcomputadores atuais são os "netos" conceituais dos terminais do computador de Dartmouth. E uma das razões para isso é que, quando foi comercializado o primeiro microcomputador, em 1974, nos EUA, seus produtores queriam para ele uma linguagem de programação que ocupasse pequeno espaço de memória (no máximo 2 ou 3 Kbytes !) e fosse fácil de usar. Adivinhem qual eles escolheram ? O BASIC, lógico. E imaginem quem eles contrataram para desenvolver o interpretador ? Um jovem de 18 anos chamado William Gates, apelidado Bill, que tinha abandonado a faculdade por achá-la muito chata e pouco promissora, e que estava a caminho de seu primeiro milhão de dólares, como presidente de uma empresa chamada Microsoft, em menos de cinco anos (hoje, desnecessário dizer, ele é o homem mais rico do mundo, com um patrimônio de 12,5 bilhões de dólares...).

Os terminais do RCA eram grosseiros aparelhos de telex, se comunicando com uma velocidade de 15 a 20 caracteres por segundo, e imprimiam apenas em papel. Mas já eram suficientemente poderosos para o desenvolvimento de aplicações em BASIC. O projeto de Dartmouth deu muito mais certo do que eles tinham sonhado, e logo começou a ser imitado por muitas universidades de todo mundo. Com o surgimento dos microcomputadores, a coisa pegou fogo, espalhou para as escolas primárias e secundárias, e o resto é uma história bem conhecida. O BASIC se tornou a linguagem nativa da maioria dos microcomputadores, desde o Apple II, TRS-80 e PET Commodore, que foram os primeiros a atingirem sucesso comercial de grandes proporções, em 1977-79. Embora seja "esnobado" pelos verdadeiros especialistas em computação, que o acham horrendo do ponto de vista da elegância da programação (achavam, pois depois do surgimento do Microsoft Visual BASIC eles parecem ter mudado de idéia...), o BASIC foi a porta de entrada de milhões de pessoas ao clube de quem, ao contrário de simples usuários, consegue controlar o computador para fazer o que quiser.

E, realmente, podemos dizer hoje, que o estudante ou o profissional que não souber utilizar os recursos da microcomputação, é mais ou menos como uma pessoa analfabeta que queira entrar em uma faculdade.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Caderno de Informática, 11/7/95, Campinas
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br
WWW: http://www.nib.unicamp.br/sabbatin.htm
Jornal: cpopular@cpopular.com.br

Copyright © 1992-1995 Correio Popular, Campinas, Brazil