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O fim de uma era

Renato M.E. Sabbatini

A invenção do computador digital eletrônico, que ocorreu durante a II Guerra Mundial, quase que simultaneamente na Alemanha, na Inglaterra e nos EUA, foi um dos grandes marcos do desenvolvimento científico e tecnológico do século 20.

Este mês, coincidentemente, morreram dois dos principais pioneiros da invenção do computador digital nos Estados Unidos, John Presper Eckert Jr. e John Vicent Atanasoff Com eles, termina uma era, pois o terceiro "pai" do computador, John William Mauchly, já havia falecido em 1980. Eckert, um dos líderes da equipe que desenvolveu o primeiro computador digital eletrônico, o ENIAC (Electronic Numerical Integrator and Computer), na Universidade de Pennsylvania, morreu no dia 3 de junho, de leucemia, aos 76 anos de idade. O outro era Mauchly. No dia 15, foi a vez de Atanasoff, aos 91 anos.


John Vincent Atanasoff e seu computador pioneiro

A participação de Atanasoff na história da computação tem alguns detalhes interessantes. No final da década dos 30, quando era professor de física no Iowa State College, ele construiu um computador simples, baseado em válvulas eletrônicas, que incorporava vários dos elementos e técnicas básicas que mais tarde foram usados no projeto do ENIAC (em alguns aspectos, era mais avançado). Atanasoff mostrou seu computador para os dois cientistas que posteriormente chefiaram o projeto, Eckert e seu companheiro de equipe, John Mauchly. Atanasoff tentou vender a idéia para várias empresas, sem sucesso. A equipe do ENIAC teria utilizado algumas idéias de Atasanoff, sem lhe dar o crédito devido, o que o amargurou por mais de 20 anos. Com base nesse fato, em 1971, a Honeywell, uma empresa americana, solicitou e conseguiu o cancelamento da patente concedida para o ENIAC, que estava em nome da Sperry Rand. Entretanto, Atanasoff continou sem desfrutar resultados financeiros do seu invento, que revolucionou a humanidade.


Eckert e Mauchly

Na realidade, embora fosse profético em sua concepção, o computador de Atanasoff era apenas a obra artesanal de um amador. A construção de um protótipo de computador que fosse útil em maior escala era coisa que requeria muito mais seriedade, uma grande equipe, muito dinheiro e dedicação. Isso aconteceu em 1940, quando o Exército Americano decidiu financiar o projeto de construção do ENIAC, que foi entregue à famosa Escola Moore de Engenharia da Universidade de Pennsylvania, em Philadelphia, EUA, em um esforço quase industrial. Mauchly era professor de engenharia elétrica da Universidade, e Eckert, então com apenas 24 anos, juntou-se a ele para coordenar o projeto. Até hoje, a Escola Moore tem um pequeno museu, contendo partes do ENIAC.


O ENIAC

Curiosamente, ao contrário do que se pensa, o ENIAC era muito pouco parecido com um computador moderno. Para começar, utilizava o sistema decimal para representar números em sua memória, o que levou a um conjunto imenso de 17.468 válvulas eletrônicas, 70 mil resistores e 10 mil capacitores (para armazenar cada número de sua memória de apenas 100 bytes, eram necessárias mais de 100 válvulas). Os computadores modernos utilizam o sistema numérico binário. Os dados numéricos dos problemas a serem resolvidos eram entrados através de desajeitados comutadores mecânicos rotativos, dispostos em um grande móvel de madeira. Mas o pior era a forma de programar o ENIAC: isso era feito através de cabos, que eram conectados manualmente, em grandes painéis ligados à Unidade Central de Processamento (UCP). Qualquer erro de programação levava a um laborioso e demorado processo de inspecção e reposicionamento dos cabos ! Outro problema era a baixa confiabilidade do ENIAC. Com mais de 17 mil válvulas em funcionamento, normalmente se passavam apenas alguns minutos de uso, até que uma ou mais válvulas se queimassem e tivessem que ser substituídas... Devia ser verdadeiramente infernal trabalhar com o ENIAC.

Entretanto, ele funcionava, e bem. Executava centenas de operações matemáticas por minuto, o que pode parecer pouco, hoje, mas significava multiplicar por mil a velocidade de cálculo científico, que até então só podia ser feito por calculadoras mecânicas, acionadas manualmente. O ENIAC foi terminado apenas depois da guerra, em 1946, mas continuou sendo utilizado até 1954, quando foi "aposentado". Entre as façanhas do ENIAC está ter ajudado a realizar cálculos para a construção da bomba de hidrogênio.

Para a meninada que utiliza hoje, sem pensar, microcomputadores com velocidade de excecução de dezenas de milhões de operações por segundo, e que têm memórias RAM de 8 milhões de caracteres, ou mais, pode parecer brincadeira fazer esse tipo de coisa em um computador tão limitado como o ENIAC.
 

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Publicado em: JornalCorreio Popular, Caderno de Informática, 27/6/95, Campinas,
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