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Os engenheiros do conhecimento

Renato M.E. Sabbatini

A escalada comercial da Inteligência Artificial (IA), uma das áreas mais complexas da Informática, está gerando uma grande demanda por um novo tipo de profissional: o engenheiro do conhecimento. Ao que parece, esta será uma das especializações tecnológicas mais promissoras no futuro. Os atrativos para quem quiser se dedicar a esta nova carreira são excelentes. Nos EUA, um PhD recém-formado em Inteligência Artificial é literalmente "caçado" pelas grandes empresas, que oferecem salários iniciais cerca de 30 a 50% mais altos que os de profissionais comuns de Informática, nas mesmas condições: algo em torno dos 70 a 80 mil dólares por ano. Muitas vezes, são empresas do porte de uma General Motors, Exxon, Hewlett Packard, IBM, etc., mas, mais comumente são pequenas empresas de alta tecnologia, que existem aos milhares nos grandes centros industriais dos EUA, ao redor de Boston e São Francisco, e que são responsáveis pela geração da maior parte dos produtos específicos de IA no mundo.

Quando o ramo da Inteligência Artificial passou a ser pesquisado, no começo dos anos 70, ele era uma disciplina puramente teórica: as pouquíssimas pessoas que se auto-denominavam especialistas no assunto, na época, tinham como ambição máxima desenvolver formas de "imitar", no computador, a maneira como as pessoas raciocinam e resolvem problemas de natureza intelectual e cognitiva (de conhecimento). Os pioneiros nesta área foram os pesquisadores norte-americanos Newell e Simon, da Rand Corporation (um "think-tank" típico da Guerra Fria), que desenvolveram um programa chamado General Problem Solver (GPS), que demonstrou ser capaz de atividades intelectuais francamente humanas, tais como demonstrar teoremas de álgebra e geometria com precisão e elegância (algumas demonstrações feitas pelo programa eram desconhecidas dos matemáticos !).

Dentro de poucos anos, entretanto, os pesquisadores da IA demostraram ao mundo atônito que um computador podia exibir algumas formas de "inteligência" prática, mesmo que restritas a um determinado campo do conhecimento, tais como o diagnóstico de algumas doenças, jogar xadrez ou gamão, "conversar" em linguagem natural, etc. Com o surgimento de superminis e microcomputadores bastante poderosos, aconteceu uma "explosão" de interesse na década dos 80, e a IA iniciou um arrancada formidável de desenvolvimento tecnológico e comercial. Muitos sistemas comerciais baseados em IA entraram em operação de rotina; alguns em áreas tecnológicas, como é o caso do Dipmeter Advisor, um sistema especialista que indica lugares onde é mais provável se achar petróleo, com base em estudos sismológicos. O programa economiza custos brutais de prospecção, análise e interpretação para as companhias petrolíferas, e virtualmente se paga no primeiro poço positivo. Dois outros programas, para auxílio aos diagnósticos médicos, ILIAD e QMR, tiveram grande sucesso comercial, tendo vendido milhares de cópias para faculdades, hospitais e consultórios. O ILIAD, por exemplo, é capaz de diagnosticar mais de 1.200 doenças, utilizando o conhecimento sobre 9.000 sintomas e sinais, e recomendar o melhor tratamento. Seu desempenho é melhor do que o de muitos médicos...

A área que mais necessita de engenheiros de conhecimento, entretanto, é a financeira. Atualmente, os sistemas baseados em IA são usados por bancos e financeiras para numerosas aplicações, tais como decidir sobre o risco de empréstimos e seguros, escolher a melhor aplicação na bolsa de futuros, etc. Evidentemente, é um setor onde é muito grande o retorno do investimento no desenvolvimento de sistemas de IA. Portanto, é a que paga melhores salários.

O acelerado progresso tecnológico da IA, entretanto, não proporcionou nenhum alívio para a grande dificuldade que se tem ao criar um sistema especialista em algum domínio do conhecimento, que é a obtenção e a codificação, dos conhecimentos específicos da área em que serão aplicados. Esta é uma tarefa extremamente difícil, demorada, dispendiosa, e cercada de armadilhas. A maior parte dos especialistas humanos (digamos, um médico) não sabe formalizar o seu conhecimento de forma apropriada para representação no computador, e isto precisa ser "extraído" com grande argúcia por uma pessoa que conheça intimamente o funcionamento dos programas de computador, e que também entenda da área geral do conhecimento a ser implementada. E este é precisamente o profissional de que falamos acima: o engenheiro do conhecimento. É ele o responsável pela produção do sistema especialista computadorizado, "tirando o suco" do especialista humano e testando a consistência lógica e desempenho dos bancos de conhecimentos assim criados. Dá para perceber que ele é um profissional extremamente difícil de se achar ?


Publicado em: Jornal Correio Popular,Caderno de Informática, 27/12/94, Campinas,
Autor: sabbatin@nib.unicamp.br
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