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O fim dos megaprogramas ?

Renato M.E. Sabbatini

Os programas aplicativos para microcomputadores estão sofrendo de uma síndrome degenerativa grave, chamada de "Megaprogramismo Galopante". Cada versão nova que é lançada, para desespero dos usuários, ocupa mais espaço em disco, exige recursos de memória e velocidade cada vez maiores, e incorpora centenas de recursos que 99 % dos usuários jamais precisarão. Um exemplo típico é o conhecido programa para processamento de textos, Microsoft Word. Quando foi lançado em 1983, para o sistema operacional DOS, o programa todo cabia em dois disquetes de 360 K, e não precisava nada mais sofisticado do que um micro com 128 K de memória. A última versão na praça (Word For Windows 6.02) ocupa quase 30 megabytes de disco, e só não parece uma "tartaruga paralítica" se você tiver um PC 486 com velocidade de 66 Mhz e outros recursos, que custam ainda muito caro. Quem ambiciona ter um dia o badalado sistema Windows NT e todos seus programas associados, pode ir comprando um disco de pelo menos uns 500 megas, e mesmo assim prepare-se, pois vai sobrar pouco espaço...

Essa síndrome se desenvolveu em razão de um mecanismo patológico que parece não ter fim. De um lado, a empresa Microsoft, que é a líder mundial do ramo, enxergou na comercialização das novas versões de software uma maneira de escapar da queda de vendas provocada pela verdadeira saturação do mercado, que ela mesmo promoveu. A estratégia deu certo. O Word 6, por exemplo, já vendeu alguns milhões de cópias. Por outro lado, existe sempre um reduzido, mas bastante estridente grupo de usuários, que pede recursos cada vez mais poderosos, que permitam a utilização de dados de diversas fontes, a programação de tarefas especiais através de uma linguagem de comandos embutida no aplicativo (denominada de macros), etc.

No entanto, o megaprogramismo galopante tem sérios problemas e acabará por debilitar o mercado mundial de software e os seus fornecedores, inclusive a imbatível Microsoft. Um desses problemas é que está se tornando verdadeiramente desesperador para o usuário acompanhar as novidades das novas versões. Mal você aprendeu a utilizar uns 15 % de um software, e aparece outra versão, com toneladas de recursos a mais. Outro é a pressão psicológica de se tornar proprietário da mais nova versão, mesmo que não precise (muitas vezes causada por colegas que emitem comentários sardônicos e implicações sutis de que você está em vias de se tornar um brontossauro da Informática, se não acompanhar o ritmo dos lançamentos...). Mas o problema mais sério pode ser, ironicamente, para os próprios fabricantes. O gigantismo das novas versões exige centenas de programadores e analistas para corrigir problemas e dar assistência aos usuários, e, tecnicamente, os programas cada vez mais complexos dificultam enormemente a sua evolução futura.

Frente a isso, um importante grupo de desenvolvedores de software resolveu propor uma alternativa, que recebeu o nome de "documento composto". A idéia é simples, e já foi implementada em parte pela própria Microsoft, através de um padrão chamado OLE (que, em inglês, significa Object Linking and Embedding, ou seja, ligação e incorporação de objetos). Por exemplo, se você estiver escrevendo um relatório anual para sua empresa, as tabelas em seu interior serão de propriedade de um programa de planilhas eletrônicas, os desenhos, de um programa gráfico, a correção ortográfica será realizado por outro programa externo ao processador de textos, etc. Desse modo, o programa de processamento de textos, propriamente dito, não precisa ser tão grande. Ao invés de um aplicativo enorme e monolítico, temos uma "cooperativa" de aplicativos, que colaboram para elaborar um produto final de forma invisível para o usuário.

A empresa Apple, fabricante do microcomputador Macintosh, muito vendido nos EUA, propôs um padrão aberto e público para esses documentos compostos, que foi batizado de OpenDoc. Entre os fabricantes que se comprometeram a apoiar o OpenDoc estão outros pesos pesados, como a IBM, a Novell, a Sun e a Xerox. A ausência mais notável, por motivos óbvios, é a da própria Microsoft. Seria uma pena ela não enxergar as vantagens desse padrão, porque ele seria bom para todo mundo. Para os fabricantes, os custos de desenvolvimento e manutenção seriam reduzidos drasticamente. Para os usuários, os programas de diversos fabricantes seriam compatíveis entre si, de menor tamanho e mais fáceis de usar. E para as pequenas software-houses, seria um ótimo negócio produzir componentes para o OpenDoc, para realizar pequenas ou grandes tarefas (por exemplo, eu adoraria ter um componente adicionado ao meu Word 6, que organizasse automaticamente as citações bibliográficas de um artigo).

Porque, afinal, como fica claro na história dos dinossauros, ninguém pode crescer indefinidamente, sem correr o perigo de extinção...


Publicado em: Jornal Correio Popular, Caderno de Informática, 08/11/94, Campinas,
Autor: sabbatin@nib.unicamp.br
Jornal: cpopular@cpopular.com.br