Indice de Artigos

Todos os computadores do mundo

Renato M.E. Sabbatini

Estamos no ano 2020. Emily, sua neta de 9 anos de idade, está sentada a frente de um computador pessoal, aprendendo uma lição de História. Ela utiliza um programa de multimídia, mas Emily não sabe ler nem escrever. Aliás, nem precisa, pois o computador de Emily, ligado à Rede, fornece interativamente, através de imagens de vídeo e sons, todas as informações que ela precisa para aprender...

Isso, que parece um exercício de futurologia, é na realidade apenas uma provocação, que me chegou esta semana, através da imensa rede de computadores chamada Internet. Veio, em alguns minutos depois de ter sido enviada, do jornal "Seattle Times", nos EUA e é uma lista de discussão, ou fórum eletrônico, da Internet, intitulada 2020 World. Como eu, centenas de pessoas em todo o mundo receberam o artigo e começaram a discutir entre si o tema proposto, utilizando o correio eletrônico. Em alguns dias, cerca de 30 mensagens contendo as opiniões, foram redistribuidas para todos os assinantes da lista, e o editor de tecnologia do jornal, publicou finalmente a coluna, incorporando vários dos comentários mais interessantes.

Como essa, a Internet tem milhares de fóruns de discussão, sobre todos os assuntos possíveis e imagináveis. Tem, também, cerca de 3,5 milhões de computadores interligados em uma gigantesca rede, em mais de 100 países, com algo ao redor de 20 milhões de usuários (na realidade, ninguém sabe ao certo, pois desde que você começou a ler esse artigo entraram na rede cerca de 20 novos usuários). A quantidade de informação que circula por essa rede é algo que desafia a imaginação, e está crescendo a mais de 25 % ao mês. No entanto, ela é um minúsculo protótipo do que será a Rede (assim, simplesmente) que interligará praticamente todos os habitantes do mundo desenvolvido, até o final deste século. O governo dos EUA já deu o primeiro passo nessa direção, ao instituir o projeto "Information Highway" (Rodovia da Informação), financiado por alguns bilhões de dólares.

A Internet, que começou na década dos 70 como uma pequena rede interligando alguns centros de pesquisa do Ministério da Defesa, está gradativamente deixando de ser um domínio exclusivo da área acadêmica, e oferecendo conexões a empresas e pessoas fisicas (no Brasil, por exemplo, qualquer pessoa pode se conectar à Internet atraves do IBASE, o centro de estudos e pesquisas do Betinho, pagando a módica quantia de 20 reais por mês). A Embratel anunciou, recentemente, que oferecerá conexões comerciais à Internet no Brasil, e muitas instituições não acadêmicas, como a UNIMED, já estão implementando os planos de montar uma rede própria, interligada à Internet, que eventualmente atingirá uma grande parte dos seus 70 mil médicos cooperados. Como qualquer usuário da Internet, cada um deles receberá um "endereço eletrônico" que o identifica de forma individual e inequívoca e serve para enviar e receber mensagens, dados e arquivos. O meu, por exemplo, é SABBATINI@TURING.UNICAMP.BR.

Aliás, a utilização da Internet na área da saúde é um excelente exemplo do seu potencial, e uma das áreas em que estamos trabalhando na UNICAMP, atualmente. Através dela, os médicos podem trocar informações sobre os pacientes (inclusive radiografias, eletrocardiogramas e até os ruídos cardíacos), consultar colegas mais experientes e localizar e ler bibliografia médica sobre qualquer assunto (uma das maiores bibliotecas médicas do mundo, situada em Washington, tem cerca de 30 milhões de artigos catalogados e informatizados, com suas referências disponíveis para pesquisa a partir de qualquer microcomputador ligado à Internet). Por exemplo, em 20 pequenas ilhas gregas do mar Egeu, os postos de saúde, desprovidos de médicos especialistas, podem enviar todos os dados médicos de pacientes locais, através da rede, para o Hospital da Universidade de Atenas, e receber uma orientação mais segura, dada por especialistas, em questão de minutos. Outro exemplo: usando um programa de computador chamado FTP, qualquer usuário da Internet pode copiar softwares médicos de domínio público, armazenados em vários computadores ao redor do mundo (inclusive na UNICAMP), gratuitamente. Usando outro programa, chamado TELNET, é possível pesquisar bancos de dados localizados em outros computadores, como o registro completo do genoma humano pesquisado até hoje, ou comprar, via cartão de crédito internacional, qualquer coisa que você imaginar, de livros a acessórios para computadores. Um local excelente, que descobrimos recentemente, chama-se CD-Connection, e tem um catálogo de cerca de 75.000 discos CD. Em alguns minutos, você entra em contato com o computador deles (localizado em Miami, mas poderia estar na Ucrânia ou em Nova Delhi, tanto faz), pesquisa o catálogo por artista, compositor ou título, escolhe os que deseja, e realiza a compra, que é enviada pelo correio (normal) !

O espantoso mundo aberto pela Internet tem muitas conotações importantes. A primeira é que quem não entrar na rede, estará totalmente isolado dentro de poucos anos. A segunda, muito importante para paises em desenvolvimento, como o Brasil, é a possibilidade real de um rompimento do nosso tradicional isolamento geográfico, e a integração com o resto do mundo. A terceira é que a Rede modificará irreversivelmente muitas instituições e costumes atuais, principalmente na área de comunicação de massa (jornalismo eletrônico).

Voltando ao começo do artigo, é por essa razão que acredito que a pequena Emily, no ano 2020, terá que aprender a ler e escrever bem mais cedo do que as crianças de hoje. A rede será o incentivo.


Publicado em: Jornal Correio Popular,Caderno de Informática, 11/10/94, Campinas
Autor: sabbatin@nib.unicamp.br
Jornal: cpopular@cpopular.com.br
Copyright © 1991-1195 Correio Popular, Campinas Brazil