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A Mona Lisa Binária

Renato M.E. Sabbatini

A era da Informática, entre muitas outras coisas, nos trouxe um conceito bastante provocativo: o de que todos os tipos de conhecimento humano podem ser reduzidos a um conjunto de perguntas sim ou não. E quando eu digo todos, quero dizer literalmente todos, ou seja, desde um programa da Xuxa, na TV, até a famosa pintura da Mona Lisa, de Leonardo da Vinci. Desde o canto de um passarinho na árvore do quintal, até a Quinta Sinfonia de Beethoven. De um simples "jogo da velha", à teoria da relatividade geral, de Albert Einstein.

Claude Shannon, um matemático norte-americano, foi o pai desta bizarra, mas revolucionária, idéia. No final dos anos 30, quando ainda era um jovem estudante de pós-graduação, Shannon começou a explorar a teoria da transmissão de informação (como a que acontece, por exemplo, entre as duas estações de um telégrafo). Um problema que o preocupava era de que forma se podia evitar os erros de transmissão, tão comuns nos aparelhos da época. Pensou, então, em desenvolver uma medida quantitativa do conteúdo da informação transmitida em uma mensagem.

Shannon raciocinou da seguinte forma: qualquer quantidade numérica pode ser representada pelo sistema digital binário (um sistema de numeração que utiliza apenas 2 dígitos, o 0 e o 1). Da mesma forma, muitos conhecimentos baseados na lógica também podem ser automaticamente representados pelos números 0 (falso) e 1 (verdadeiro). Como é que se pode definir "conhecimento" (ou informação) ? Fácil, segundo Claude Shannon: conhecimento é tudo aquilo que serve para reduzir a nossa ignorância ! E ela pode ser reduzida facilmente, fazendo-se um certo número de perguntas (como qualquer criança curiosa sabe).

Duvida ? Vamos imaginar. por exemplo, que estamos interessados em determinar a idade de uma pessoa, apenas fazendo perguntas que possam ser respondidas "sim" ou "não". Uma maneira seria começar com a seguinte pergunta: "- Você tem menos que 50 anos ?". Se ela responder sim, dividimos agora o intervalo de 0 a 50 anos em dois e perguntamos: " - Você tem menos que 25 anos ?". E assim por diante, até ela responder afirmativamente.

Shannon concluiu, brilhantemente, que uma medida da redução da nossa ignorância sobre a idade da pessoa seria, simplesmente, o menor número de perguntas que temos que fazer, até obter uma resposta afirmativa. Esta medida é chamada de "bit" (palavra derivada do termo binary digit, em inglês, ou dígito binário, 0 ou 1). Ele provou ainda, que com este esquema de divisão (chamado de busca binária), conseguimos o menor número possível de perguntas para reduzir nossa ignorância.

Muito bem, mas como se calcula a informação contida em uma imagem da Mona Lisa ? Simples: primeiro dividimos a imagem em um quadriculado. Para determinar o número de bits da luminosidade de cada quadradinho, por exemplo, adotamos o mesmo esquema de perguntas sim/não que exemplificamos acima. A IBM do Brasil concluiu recentemente um projeto de armazenar todas as pinturas do Portinari em computador, utilizando este método. Cada pintura comportou "apenas" 128 milhões de bits.

Como o leitor é inteligente, já percebeu uma coisa interessante: a medida da informação contida na Mona Lisa vai depender do grau de detalhe com que queremos receber a informação, ou seja, em quantos quadradinhos queremos dividir a imagem, e em quantos níveis de luminosidade queremos dividir um quadradinho ! Em outras palavras, como não é possível, através de nossos sentidos apenas, conhecer a realidade absoluta, ficamos satisfeitos com uma aproximação apenas, de preferência a mais fiel possível.

Um disco compacto (CD) é uma boa aplicação desta tecnologia. Nas trilhas de um CD, o som é codificado através de bits (presença ou ausência de furinhos feitos por laser na superfície do disco). Os CDs mais modernos utilizam 16 bits para representar cada 0,000025 de segundo de música. Um disco com a duração de uma hora contém, em som estereofônico, 4 bilhões e meio de bits de informação. Tanto faz ser uma sinfonia do Mozart ou uma guarânia do Chitãozinho & Xororó. E creio que poucas pessoas discordariam da qualidade excepcional do som gravado em CD, apesar dele ser aproximado.

As descobertas do genial Claude Shannon influenciaram enormemente o desenvolvimento da Informática e da indústria eletrônica digital, bem como da maneira como armazenamos e recuperamos informações de todo tipo. Com o desenvolvimento de meios super densos de armazenamento de informação digital, como os discos laser, surgiu, pela primeira vez na história da Humanidade, a possibilidade de estocarmos todo o conhecimento humano em único lugar. A Biblioteca do Congresso dos EUA já está fazendo isso com toda sua coleção de livros, revistas, imagens e som. Ao ficar pronta no alvorecer do próximo século, englobará trilhões e trilhões de bits, que poderão ser consultados quase que instantaneamente, através de uma poderosa rede de computadores. Livres, para toda a eternidade, de traças, desbotamentos, e incêndios. Replicados a baixo custo, e com cópias distribuídas, uma para cada cidade do planeta.

Já imaginou ?


Publicado em: Jornal Correio Popular, 18/7//92, Campinas,
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