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Uma estranha obsessão

Renato M.E. Sabbatini

O bicho-homem parece ter uma estranha obsessão.

Desde o momento em que conseguiu compreender que tinha um cérebro dotado de uma inteligência superior a tudo o que o Reino Animal parecia oferecer, não teve dúvidas: começou a dedicar uma razoável parcela de seu tempo tentando achar inteligência em objetos animados, inanimados ou invisíveis. Animismo, OVNIs, ETs, etc. são algumas das manifestações que acompanham essa curiosa síndrome: ao que parece, o Homem (e a Mulher) se sentem sós na Natureza, com sua Inteligência !

Somente depois da II Guerra Mundial é que o Homem resolveu tomar uma atitude decente e parar de sonhar: resolveu ele mesmo construir alguma coisa que tivesse inteligência. E o computador abriu as portas para esta ambição, tão velha quanto a própria Humanidade...

É claro que os primeiros computadores eletrônicos, bem primitivos pelos padrões atuais, não tinham muita chance de se mostrarem inteligentes (embora fossem chamados afetuosamente de "cérebros eletrônicos"). Lá pelos idos dos anos 60, a esperança era grande que os computadores evoluíssem de tal forma que realmente pudessem ser chamados de inteligentes.

Infelizmente (ou felizmente ?) isto não se concretizou ainda. Os cientistas que criaram o novíssimo campo da Inteligência Artificial, na realidade, começaram a programar seus computadores de terceira e quarta geração com o objetivo de imitar aspectos mais limitados da inteligência humana. Assim, logo apareceram programas de computador capazes de proezas fantásticas, como jogar xadrez contra Grandes Mestres Internacionais (e ganhar !) ou diagnosticar doenças causadas por bactérias muito mais eficientemente do que a maioria dos médicos.

Entretanto, estes programas, logos batizados de sistemas especialistas ("experts"), não são dotados de inteligência em seu sentido mais amplo. O programa de jogar xadrez, por exemplo, não é capaz de multiplicar dois números, e o de diagnóstico médico não sabe qual é a capital de Sri Lanka (você sabe ?). Para serem realmente inteligentes como um ser humano, os computadores ainda tem que caminhar muito: a enorme capacidade de armazenamento e recuperação da informação do cérebro, e a monstruosa complexidade das computações necessárias para a mais elementar das tarefas não podem ser imitados com sucesso pelos computadores atuais: uma concepção radicalmente diferente é necessária.

Um dos grandes obstáculos a essa aventura científica e tecnológica é o fato de que sabemos pouquíssimo, ainda, sobre como funcionam o cérebro e a inteligência. Como querer imitar algo que não se conhece ? Por isso, o famoso projeto japonês dos computadores de quinta geração (computadores tão rápidos e "inteligentes" quanto o cérebro humano), deu com os burros n'água, e já é considerado um enorme fracasso, ao custo de centenas de milhões de dólares.

No lugar dele foi criado um outro projeto (batizado, naturalmente, de computação de sexta geração). São os chamados neurocomputadores, dos quais já existem alguns protótipos funcionando. A esperança, agora, é tentar imitar deslavadamente a organização e funcionamento do nosso cérebro, através das redes neuronais artificiais. Já se conseguiu comprovar que os neurocomputadores são capazes de feitos fantásticos, típicos da inteligência humana, como aprender a falar e a reconhecer a face de pessoas. Só que os mais complexos neurocomputadores inventados até agora tem pouco mais de 1 milhão de células "cerebrais". Mais ou menos o que uma reles abelha tem. Em comparação, o cérebro humano tem mais de 300 bilhões de neurônios, em um espaço menor do que uma bola de futebol, e gastando menos energia do que uma lâmpada pequena. Como vêem, há muito chão ainda, até conseguirmos imitar essa maravilhosa máquina que é o cérebro humano.

Mesmo que consigamos, resta responder a duas perguntas cruciais, sobre as quais o leitor é convidado a meditar:

A primeira: será que algum dia será possível construir uma máquina realmente dotada de inteligência ? Será que uma imitação artificial da inteligência é a mesma coisa que a própria (ou seja, não seria a mesma coisa que pretender que o desenho de um peixe fosse um peixe) ? Muitos cientistas, como Sir John Eccles, prêmio Nobel de neurofisiologia, acreditam que não. Para ele, a consciência e o pensamento não são o resultado do funcionamento de uma mera máquina neuronal, por mais complexa que seja, e sim "algo mais".

A segunda pergunta é ainda mais intrigante: será que algum dia conseguiremos entender completamente como o nosso próprio cérebro funciona ? Pode ser que exista algum obstáculo intransponível a essa pretensão. Um cachorro, por exemplo, consegue entender como funciona seu próprio cérebro ?

Talvez necessitemos o auxílio de um cérebro mais poderoso do que o nosso para nos entender... Deus, talvez, ou na sua falta, um ET.


Publicado em: Jornal Correio Popular, 23/4/91, Campinas,
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