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Tudo depende de tudo

 

Renato Sabbatini

Um dos maiores saltos do intelecto humano foi a descoberta do que chamamos relação causa-efeito. A ciência moderna foi a principal responsável por isso. Exemplos eloqüentes ocorrem em todas as áreas, mas vamos usar um na medicina. No século passado Campinas foi devastada por uma epidemia de febre amarela. Como o que causava a doença não era conhecido, os médicos e as autoridades sanitárias tentavam mil e uma medidas, escolhidas aleatoriamente ou com base em palpites sem fundamentos: barris de piche eram queimados em todas as esquinas, para afastar os “maus ares”, ou miasmas provindos dos pântanos e das lixeiras, que se acreditava ser um fator causador (aliás, a origem da palavra “malária” é exatamente essa); os médicos usavam inúteis máscaras banhadas em desinfetantes ao tratar dos pacientes. Em alguns casos os mortos eram queimados, os benzedores e curandeiros faziam grandes negócios, a reza e a religião era o único conforto psicológico disponível e os médicos eram completamente impotentes, em alguns casos morrendo da doença também. Com a descoberta, pelo médico cubano Carlos Finlay, de que a doença é causada por um microorganismo, e transmitida pela picada de um mosquito, a relação causa-efeito foi determinada e rapidamente levou à virtual extinção das grandes epidemias e das centenas de milhares de mortes facilmente evitáveis, através da erradicação do mosquito e do desenvolvimento de uma vacina altamente efetiva. Ninguém mais tentou queimar piche ou coisa parecida.

A investigação científica sistemática das relações causa-efeito em muitas áreas deu origem a um conceito verdadeiramente revolucionário, já na segunda metade do século XX: a das relações de interdependência entre fenômenos naturais e culturais. Em palavras simples, seria uma conseqüência das cadeias de causação, que fazem uma coisa causar outra, que causa outra, que causa outra, e assim por diante. A mente humana é biologicamente muito restrita para enxergar relacionamentos de longo alcance. O máximo que conseguimos identificar e pensar é uma cadeia causal de dois a três elos, nos eventos do dia-a-dia, e de cinco a seis elos, em conhecimento científico. No entanto, essas cadeias têm comprimento praticamente infinitos e são interrelacionadas de forma extremamente complexa, no tempo e no espaço.

Eu comecei a pensar nesses problemas ao ler a notícia de mais uma erupção vulcânica em andamento nas Filipinas. Uma grande erupção vulcânica pode causar efeitos no outro lado do planeta. A explosão do vulcão Krakatoa, no século passado, no Oceano Pacífico, gerou uma nuvem de cinzas que diminuiu a temperatura média da Terra em 4,5 graus Celsius, levando a invernos extremamente severos na Europa. Isso, por sua vez, causou o aumento de pragas agrícolas, como a “podridão da batata”, que matou mais de um milhão de irlandeses e ingleses, e a imigração de mais de 2 milhões, principalmente para os EUA, entre os quais os bisavós de vários presidentes norte-americanos. Então, podemos dizer que o “vulcânico” caso Monica Lewinsky, tão comentado, iniciou-se na realidade com a explosão de um vulcão no Pacífico, mais de 100 anos atrás!

Iniciou-se, disse eu? É claro que não. O vulcão nada mais é do que a ejeção de material incandescente do interior do planeta através de fendas na crosta terrestre. Esse material incandescente é o remanescente das colisões de planetóides, meteoritos  e cometas que formaram a Terra através de agregação gravitacional nos primórdios da formação do sistema solar, cinco bilhões de anos atrás. Os oceanos são o resultado da água resultante em grande parte do gelo derretido de cometas que colidiram com o planeta no passado. A água não evapora nem gela porque a Terra está a uma distância muito precisa do Sol, de tal forma que é o único planeta do sistema solar que tem água em estado líquido em grandes quantidades, e isso foi fundamental para o aparecimento da vida.

Mas somente receber água vinda dos meteoros não é suficiente. A Lua, que também está à mesma distância do sol, deve ter passado por um processo semelhante, mas tem pouquissima água, pois ela se perde rapidamente devido à dois fenômenos: a baixa gravidade e a ausência de atmosfera. A Terra tem gravidade suficiente e atmosfera, mas a coisa mais surpreendente é esta: nossa atmosfera foi gerada em grande parte pelos seres vivos, principalmente plantas e formas mais inferiores de vida, como algas e plâncton. A vida surgiu muito cedo na história geológica do planeta, há quatro bilhões de anos, quando aqui ainda devia ser um ambiente absolutamente infernal, com vulcões, altas temperaturas, colisões intermináveis de meteoros e cometas e pouquissima atmosfera. Por outro lado, a atmosfera cumpre dois outros papéis importantes na criação de um ambiente propício à vida: Então os sistemas físicos que permitiram a estabilidade atual ocorreram todos simultanea e gradativamente.


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,  16/7/99.

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