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Trabalhando na Academia

 

Renato Sabbatini

 

 

O mercado de trabalho acadêmico (universidades e institutos de pesquisa) brasileiro está desenvolvendo algumas características perversas, que representam um grande perigo para o futuro da qualidade de educação e pesquisa nas instituições mantidas pelo poder público.

Vários fatores conspiram. O pior de todos, na minha opinião são as "leis" de reposição de docentes que se aposentam ou se demitem. Pressionada pelo alto nível de comprometimento do orçamento com o pagamento de pessoal (em alguns casos se aproximando dos 100 %), as universidades públicas estão substituindo apenas uma a cada três, ou uma a cada quatro vagas livres por esses motivos.

Pode parecer à primeira vista que essa regra é boa, pois forçara os departamentos a serem mais produtivos, selecionar melhor os futuros docentes que deverão ser contratados, e "enxugar a máquina", de maneira geral. No entanto, ela tem um efeito muito desigual sobre os departamentos de diversos tipos, idades e tamanhos. Um departamento que perde um ou dois docentes por aposentadoria, por exemplo (um fato comum, atualmente, na UNICAMP), não consegue alcançar o limiar da regra de "três para um" e pode ficar muitos anos sem poder contratar ninguém, com uma sensível baixa na qualidade dos trabalhos acadêmicos e na sobrecarga dos trabalhos. Para um departamento grande, esse efeito não é tão pronunciado. Outra estupidez de se aplicar uma regra igual para todos os casos é que existem departamentos muito antigos, que começam agora a ter  uma grande porcentagem de docentes que se afastam; ou existem departamentos que têm uma rotatividade natural muito maior em seus cargos de docentes (muitos professores pedindo demissão para se dedicarem ao mercado privado de trabalho, como está acontecendo nas áreas de telecomunicações e informática, atualmente muito aquecidas e com salários bem maiores do que na universidade e institutos de pesquisa). Esses departamentos são mais prejudicados que departamentos mais novos e mais estáveis em relação ao mercado externo.

A universidade brasileira não conseguiu formar ainda um escalão médio de alta qualidade para substituir os professores e pesquisadores mais antigos, que lideraram o processo de formação do sistema nacional de pós-graduação e foram os responsáveis pelo grande salto qualitativo e quantitativo que o Brasil deu na área acadêmica entre a metade dos anos 70s e o final dos anos 80s. Assim, muitos departamentos de ótimas instituições universitárias e de pesquisa não conseguiram formar sucessores e estão passando por um pronunciado declínio em sua qualidade acadêmica. Isso explica, por exemplo algumas notas ruins que a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior) do MEC deu para programas de pós-graduação na USP e na UNICAMP, dois baluartes da qualidade acadêmica brasileira.

Um fator agravante é que o mercado acadêmico brasileiro não é tão dinâmico como o americano. Aqui, a maioria dos docentes e pesquisadores consegue estabilidade cedo demais no emprego. Nos EUA, apenas 20 % do corpo docente tem estabilidade (‘tenure", em inglês) e precisa renovar contratos periodicamente. Em virtude disso, há maior mobilidade (terminando um contrato, o professor arruma outro emprego, em outro lado do país, por exemplo), e força o profissional a ser mais atento para suas qualificações e competência, pois o nível de competição aumenta muito. Basta ver que os concursos de ingresso na carreira docente de algumas boas universidades nos EUA costumam ter entre 200 a 300 candidatos ! No Brasil, não passam de dez por vaga, em média, mas uma grande parcela dos concursos têm menos de cinco candidatos.

Como os salários da carreira docente estão baixos no setor público, está havendo uma concorrência muito grande por parte das universidades particulares, que estão ávidas por professores titulados (com mestrado e doutorado). A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) estipula diversas metas e prazos para melhorar o nível de titulação das universidades, centros de ensino superior e faculdades isoladas, com o resultado que está havendo uma grande demanda sobre o mercado de qualidade; aumentando o valor médio dos salários. Isso tende a drenar também bons talentos da universidade pública. Um pequeno exemplo: recentemente, uma dinâmica universidade do interior do estado conseguiu abrir um curso de medicina (em uma cidade que já tem uma faculdade pública que está entre as três melhores do país) e passou a contratar muitos docentes aposentados e também docentes jovens da mesma. Um dos seus professores, que já exerceu cargo de direção, recebeu uma oferta de ganhar mais de três vezes o que ganhava, para ser diretor da nova faculdade ! Impossível resistir a um apelo desses...

Acho que os poderes públicos (e os colegiados internos das universidades, que têm adotado essas medidas de contenção) precisam ter uma visão mais a longo prazo. Os efeitos insidiosos provocados por políticas desse tipo são enormemente destrutivos, a longo prazo. Não interessa a ninguém, nem mesmo às universidades particulares (que obtém a imensa maioria dos seus docentes titulados a partir dos programas de formação das univesidades públicas) que isso ocorra.
 


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 05/09/98.

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