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Contatos

 

Renato Sabbatini

 

Esta semana passou a ser projetado o filme "Contatos" em Campinas, baseado no único romance de ficção científica escrito pelo cientista e divulgador americano Carl Sagan, recentemente falecido. O livro (e o filme, muito bem feito e fiel ao espírito do livro de Sagan) trata sobre o primeiro contato feito pela humanidade com uma civilização extraterrestre avançada, através do rádio. Essa civilização transmite extensas instruções para os cientistas terráqueos de como construir uma avançadissima nave espacial capaz de vencer a barreira imposta pela velocidade da luz, e levar um grupo seleto de pessoas para um contato mais próximo entre as duas civilizações.

Embora Sagan não fosse um escritor de ficção (e isto transparece no estilo não muito profissional, o que não é verdade para os seus outros livros, de divulgação científica, inclusive o celebradissimo "Cosmos"), a veracidade científica do enredo é notável. Sagan era astrofísico e foi o mentor intelectual de diversos projetos de exploração espacial por sondas não tripuladas da NASA à Marte, Vênus e outros planetas. Sagan acreditava fortemente que existe uma possibilidade muito grande de existir vida inteligente em outros pontos do Universo, a tal ponto que foi o inspirador do programa SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence), que dá origem ao tema do livro. Este programa (ainda em andamento, com uma verba relativamente pequena) consiste em usar as poderosas antenas parabólicas utilizadas na pesquisa radioastronômica (detecção, localização e estudo de fontes de radiação eletromagnética não luminosa emitida naturalmente pelas estrelas) para "ouvir" o cosmos e tentar detectar padrões de emissão que pudessem ser atribuídos a alguma fonte artificial e inteligente.

Sagan argumentou muito bem que as emissões de rádio oriundas de nosso planeta, que começaram por volta de 1910, e cresceram muito nas décadas sucessivas, poderiam estar sendo captadas por civilizações extraterrestres, que deduziriam, então, a sua natureza tecnológica. Considerando que as estrelas mais próximas onde poderia haver vida inteligente estão a cerca de 20 anos-luz da Terra, "eles" (se existem) já estariam sabendo da nossa existência. Aliás, esse é um dos argumentos frequentemente usados pelos ufólogos para justificar o súbito aparecimento de casos de discos-voadores na década dos 40s.

 Na realidade, até agora, o SETI não foi capaz de detectar nada que possibilitasse uma interpretação nesse sentido. Sagan, entretanto, sempre afirmou que isso poderia levar um século ou mais, antes que ocorresse algum resultado positivo, e que não deveríamos desistir depois de poucos anos. "Contatos" parte justamente do ponto em que o SETI detecta, de forma indubitável, um padrão de emissão artificial que somente poderia ser gerado por uma tecnologia avançada. E ele soluciona de forma brilhante e altamente verossímil as circunstâncias sociais, políticas e científicas que poderiam ocorrer.

 Isso não quer dizer, entretanto, que Sagan (e a grande maioria dos cientistas que conheço) acredite que os discos-voadores existem e que têm visitado a Terra regularmente. "Contatos" mostra uma realidade muito diferente dessa visão folhetinesca/hollywoodiana dos contatos entre terráqueos e extraterrestres. Tem uma abordagem bem diferente de outro filme famoso, "Contatos de Terceiro Grau", por exemplo. O desfecho também é muito menos predizivel e revela a inteligência criativa, quase poética, desse grande autor.

Um conselho para os leitores que forem assistir o filme. Nãio deixem de ler o livro, também. Para quem gosta de ciência e de suas especulações, é um prato cheio e gostoso. Sagan tinha a mente aberta, não se prendendo a dogmas ou preconceitos. Mas também, como bom cientista, considerava que o método científico é o único meio que pode liberar o homem do jugo do irracional.


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 25/9/97.

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