A
ciência de uma conquista
Renato
Sabbatini
Agora que o Brasil conquistou a sua quarta Copa do Mundial de Futebol,
o primeiro país a conquistar esse feito (e também o primeiro a
conquistar o tricampeonato, 24 anos atrás), parece que foi fácil. Como
sempre, a glória da conquista será atribuída ao gênio individual de
alguns jogadores brasileiro; à sua arte, à ginga e malandragem, como se
o esporte não fosse uma atividade de equipe, formada não só pelos
jogadores, mas por muitas outras pessoas, sem as quais o tricampeonato
não teria sido ganho.
Sugiro
que pensemos um pouco, de cabeça fria, sobre o que significa o Brasil
ser tão forte no futebol e ter acumulado um passado de tantas
conquistas nesse esporte. Podemos, inclusive (sem querer parecer
pretensiosos), comparar a vitória de ontem às grandes descobertas
geográficas e cientificas da humanidade. Por que Portugal fez tantos
descobrimentos em um curto período histórico? Por que os Estados Unidos
batem recordes sucessivos em matéria de ganhar prêmios Nobel? O que
existe de comum por trás de todas essas conquistas?
Certa
vez, perguntaram ao meu cientista predileto, Albert Einstein, como ele
tinha sido capaz de uma descoberta tão revolucionaria quanto a teoria
da relatividade, aparentemente apenas através de sua genialidade.
Einstein, humilde e lúcido como a sempre disse, que é porque ele tinha
subido ao ombro de gigantes científicos, seus predecessores, como Isaac
Newton... O fato é que raramente existem grandes conquistas, que tenham
sido realizadas de forma isolada do restante da sociedade ou das
condições sociais e econômicas prevalecentes da época.
Portugal
se tornou uma grande potência dos mares, graças à Escola de Sagres, que
treinou cientificamente navegadores hábeis, e que aperfeiçoou a
engenharia naval para permitir a construção de caravelas robustas o
suficiente para as grandes viagens de além mar. Os Estados Unidos
ganham mais prêmios Nobel que todos os outros países juntos, pois
investem quantias enormes em ciência e educação, e valorizam essas
áreas como sendo essenciais para o predomínio comercial e tecnológico
da nação.
Da
mesma forma, o Brasil é tetracampeão em futebol, pois aqui se criou, ao
longo dos anos, uma gigantesca infra-estrutura, que gera craques,
públicos, estádios, treinadores e (principalmente) dinheiro de
patrocínio. Notem como essa capacitacão para o futebol de qualidade foi
desenvolvido, ao contrário dos EUA, de forma total1nente paralela ao
sistema educacional. Como Romário, a maioria dos jogadores brasileiros
provém de famílias pobres, sem chances de escalar a pirâmide social
através da educação, que é o meio tradicional de mobilidade usado pela
classe média, Sua academia são os milhares de campinhos de futebol nas
periferias e nas favelas, e não nas atividades esportivas da escola
secundária. Seu incentivo é o enorme sistema de investimentos e
recompensas financeiras centradas no futebol-espetáculo, apropriado
pelos grandes times e redes de televisão. Seu exemplo é o dos rapazes
de origem humilde, como eles, que se tornaram heróis nacionais, ricos e
adulados.
O
futebol nacional é fruto de um sistema de suporte e incentivo que, se
fosse imitado na educação e na ciência, com toda a criatividade que o
brasileiro é capaz, nos colocaria no Primeiro Mundo. Bastaria passarmos
a ter pela educação e pela ciência a mesma paixão que temos pelo
futebol!
Publicado
em: Jornal
Correio
Popular,
Campinas, 18/7/94.
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