Utopia,
distopia
Renato
Sabbatini
Para
a maioria das pessoas, utopia é uma palavra ligeiramente pejorativa.
Significa, quase sempre, um sonho inatingível, um idealismo vazio e
impraticável. Sir Thomas More, um escritor e político inglês do século
16, cunhou esse termo para descrever uma sociedade ideal, que vivia na
fictícia ilha de Utopia, em um romance escrito em 1516. Segundo o
dicionário, utopia é um lugar, estado ou condição idealmente perfeitos,
com relação à política, leis, costumes, etc... Entretanto, utopia
significa em grego, "lugar nenhum", ou seja, o próprio More acreditava
que ela fosse impossível de ser conseguida.
Existe
uma longa tradição entre os filósofos e escritores, em tentar idealizar
sociedades utópicas, como em A República de Platão, The New Atlantis,
de Francis Bacon, e, mais recentemente, o polêmico romance Walden Two,
escrito em 1948 por Frederic B. Skinner, o psicólogo americano mais
conhecido como o "pai do behaviorismo".
Distopia
é o contrario de utopia. Geralmente é um lugar horrível, uma sociedade
tirânica onde os indivíduos existem em função do Estado, e não o
contrário. Entre os romances distópicos mais conhecidos estão 1984, de
George Orwell e Brave New World, de Aldous Huxley. Em ambos, escritos
na década dos 30s, os progressos da ciência e a tecnologia eram usados
de forma a destruir as estruturas da organização humana que
consideramos desejáveis como a família, a criação de filhos, os diretos
individuais, a democracia, etc.
Na
sociedade agrária/utópica de Thomas More, todos eram felizes,
saudáveis, virtuosos, trabalhavam, estudavam, tinham um suprimento
abundante de comida. Não existia propriedade individual, e cada um
recebia apenas aquilo que necessitava (com um arroubo humorístico do
autor, os utopianos usavam ouro e prata para confeccionar penicos,
correntes para prender escravos e adereços para criminosos condenados.
Assim, quando uma delegação de embaixadores do "mundo normal" chegou
para visitar a ilha, os utopianos se divertiram à grande com suas
luxuosas roupas e jóias de ouro, pois, para eles, os embaixadores
tinham aspecto de escravos e criminosos... Os políticos eram mantidos
honestos e dedicados à causa pública por um interessante sistema, que
incluía a pena de morte imediata para quem se aproveitasse de sua
posição de poder para fins pessoais, ou que se tomasse corrupto.
Thomas
More e outros utopistas tentaram resolver um dos dilemas mais antigos
da humanidade. Como conciliar o egoísmo natural do individuo, com o
bem-estar da sociedade? Como integrar as necessidades do Estado com a
felicidade individual? Suas propostas tiveram enorme impacto e
influenciaram pensadores e ações sociais, desde a Revolução Francesa
até o marxismo-leninismo, desde o liberalismo social até as idéias e
praticas da moderna democracia. Segundo More, a resposta era simples: a
sociedade ideal tinha que ser baseada na fraternidade, na igualdade e
na liberdade em todas as esferas da vida política, econômica, religiosa
e educacional. Essa foi a base do famoso brado dos revolucionários
franceses de 1792: Liberté, Egalité, Fraternité. More foi também o
inspirador dos comunistas, por defender a idéia de que a existência da
propriedade individual tornava impossível a distribuição justa e
equitativa das riquezas.
Minha
opinião é que nossa sociedade precisa de utopias. É preciso sonhar,
saber onde esta o ideal, para tentar consegui-lo, mesmo que saibamos
que este ideal nunca será atingido plenamente. Segundo o filosofo Karl
Manheinn, uma sociedade sem idéias utópicas se fossiliza, entra em
estagnação. Será que é esse um dos males que estão afligindo o Brasil,
hoje?
Publicado
em: Jornal
Correio
Popular,
Campinas, 30/6/94.
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