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A linguagem do Universo

Renato Sabbatini

"A filosofia está escrita no grande livro do Universo, mas não pode ser compreendida a não ser que se aprenda primeiro a entender a linguagem e a interpretar os sinais que a expressam. Esta linguagem é a Matemática. Sem ela, fica-se vagando num labirinto sem luz."

Essas palavras reveladoras, e até poéticas, foram escritas pelo genial italiano Galileu Galilei, em seu livro “Ensaiador”, que anunciou em 1621 o inicio da revolução cientifica. Um dos principais elementos dessa revolução foi o advento da Matemática como método de descrição das leis da Natureza. Iniciada por Galileu, com a descoberta das leis de queda dos corpos (a Mecânica Racional) por meio da técnica de experimentação, essa aplicação da Matemática conheceu o pináculo da gloria com o mais famoso tratado cientifico de todos os tempos, o “Princípios Matemáticos das Ciências Físicas”, escrito por Sir Isaac Newton em 1687. O seu titulo já diz tudo. Nele, Newton aperfeiçoou a abordagem iniciada por Galileu e instituiu o chamado método hipotético-dedutivo, no qual princípios gerais da natureza, descritos a partir de modelos matemáticos, são aplicados para deduzir novas leis, como a das órbitas que regem os movimentos dos planetas.

Se a Matemática é tão importante assim, por que tanta gente têm tantas dificuldades, ou até horror a ela?

Um argumento curioso, proposto pelo físico Joseph Schwartz, em seu interessante livro “O Momento Criativo”, é de que a Matemática foi usada propositadamente por Galileu, Newton e outros cientistas para disfarçar e tomar menos ofensivas suas descobertas em relação aos dogmas e as proibições da Igreja. Na época, os poderes eclesiásticos, apoiados pela ação da Inquisição, espalhavam o terror entre apostatas e hereges: o frade Giordano Bruno tinha morrido queimado por defender as teorias heliocêntricas de Copérnico e por ridicularizar Aristóteles. Entretanto, a Matemática, uma ciência grega, era um dos poucos domínios científicos respeitados por teólogos católicos e protestantes. A Igreja aceitava a nova Física apenas quando ela era apresentada como hipóteses matemáticas, sem conexão direta com a realidade. Em seu livro anterior, o “Mensageiro Celeste”, Galileu apresentara em uma linguagem não matemática, de fácil entendimento, suas descobertas sobre as luas de Júpiter, usando seu telescópio recém-inventado. Resultado: foi chamado a Roma, severamente repreendido, e por pouco escapou de uma condenação pela Santa Inquisição. Aprendeu a lição e passou a ser o mais abstrato possível.

Newton, prudentemente, seguiu a estratégia de Galileu e sacramentou, assim, a física matematizada. Ele declarou: "Tornei os Principia deliberadamente abstratos. . . ’ ’ Talvez isso explique o fato de a linguagem matemática ser mantida tão obscura e difícil de compreender até hoje. E como se fosse uma espécie de tradição dos cientistas, um jargão para barrar aos não iniciados o acesso ao conhecimento e evitar qualquer tipo de censura. Um bom exemplo são os cursos básicos de Matemática nas faculdades de Engenharia das nossas melhores universidades. Nelas, os alunos estudam três pesados anos de Cálculo, Geometria, etc., muitas vezes sem ver um exemplo de aplicação imediata em suas áreas.

Entretanto, é muito fácil entender os princípios básicos da Matemática, como linguagem de descrição da natureza. O próprio cálculo integral e diferencial, verdadeiro terror de gerações de estudantes universitários, tem bases extremamente simples, inventadas por Newton para manipular corretamente quantidades infinitamente pequenas, através das quais se pode entender com facilidade fenômenos naturais extremamente complexos.

Por isso, acho que o ensino da Matemática é, na maioria das vezes, completamente equivocado. Por exemplo, existem ainda muitos campos da Ciência, como a Biologia, que não utilizam a Matemática de forma extensa. Entretanto, isso esta mudando rapidamente. À medida que são desvendadas as bases moleculares e físicas de muitos fenômenos biológicos, a tendência a matematização é crescente e avassaladora. Infelizmente, a esmagadora maioria de biólogos e médicos não tem boa formação em Matemática. Alias, diz-se até que muitos alunos de segundo grau escolhem as áreas biológicas e humanas por não gostarem de Matemática!

Isso está impedindo seriamente a inserção da Biologia entre as ciências quantitativas. No entanto, existem campos inteiros das ciências humanas que são totalmente matematizados. E o caso da psicometria, que utiliza técnicas quantitativas complicadíssimas para avaliar a personalidade através de testes psicológicos. Já está mais do que na hora de mudarmos a precária situação da educação matemática em todos os níveis.


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 15/10/92.

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