Indice de artigos

Cadê o dinheiro da pesquisa?

Renato Sabbatini

Mais uma má noticia para a Ciência nacional esta semana: o CNPq suspendeu o julgamento de mais de três mil projetos de financiamento de pesquisas cientificas. Além disso, todos os projetos aprovados o ano passado ainda não receberam nenhum financiamento. O “profeta do caos", o ministro de Ciência e Tecnologia, professor Hélio Jaguaribe, acabou onde não queria estar: administrando o caos que se instalou no sistema cientifico brasileiro com essa decisão espantosa e sem precedentes, ocasionada pela falta de repasse de verbas do governo federal.

Os leitores que acompanham regularmente minha coluna devem se lembrar daquela intitulada "Cobaias Canibais", na qual eu apontei o curioso fenômeno do poço em fundo que é a Ciência brasileira; um fenômeno digno de estudos internacionais: quando se acredita ter chegado ao fundo do poço, descobre-se que ele ainda não terminou.

Está aí a prova. Para o leitor que não é cientista ou professor universitário, pode parecer até justificável: afinal o Brasil está quebrado, sem dinheiro até para pagar os coitados dos aposentados, por que iria então soltar grana para cientistas mal-acostumados, em projetos nem sempre prioritários perante a crise que aí está? Acontece que o valor total desses três mil e poucos projetos é absolutamente ridículo perto das montanhas de dinheiro que um único corrupto, o senhor P.C. Farias, desviou nos dois anos do governo Collor de Mello: não passa de míseros US$ 80 milhões. Pois bem, somente uma das comissões denunciadas na imprensa foi de USS 20 milhões. Em outro caso, um obscuro laboratório farmacêutico regional, situado (onde mais?) nas Alagoas, recebeu uma verba de quase CR$ 20 bilhões no final de 199o, a qual nunca chegou a seu destino, conforme denuncia do próprio diretor do órgão. Foi desviada para financiar a campanha fraudulenta do atual governador do Estado. É verdadeiramente revoltante como se joga dinheiro fora no governo federal.

Outra noticia recente nos diz que, por pura incompetência, o governo brasileiro paga multas de mais de US$ 40 mil por dia, porque não saca empréstimos internacionais de centenas de milhões de dólares do Banco Mundial e do BID, já concedidos. Enquanto isso, a Ciência e a Educação apodrecem. Com esse valor, por exemplo, daria para pagar o estágio de um ano, com tudo pago, de aproximadamente 600 pesquisadores brasileiros nas melhores universidades do Exterior.

A sonegação fiscal é outro caso de policia. Estima-se em cerca de US$ 50 bilhões o valor dos impostos federais sonegados anualmente. Lideres políticos e empresariais vêm a público declarar desavergonhadamente que também são corruptos e sonegam, porque senão quebrariam. Um dos jornais cotidianos paulistas fez a conta: essa quantia daria para financiar o funcionamento de cem universidades do mesmo tamanho e categoria que a Universidade de São Paulo. Seis milhões de brasileiros poderiam ter uma educação de primeiríssima ordem, arrancando o Brasil do atoleiro em que se encontra. O ensino fundamental seria totalmente transformado, e o analfabetismo desapareceria. Tudo isso iria custar uma ninharia perto do dinheiro desperdiçado.

Desde a guerra do Golfo, algumas universidades norte-americanas têm utilizado jocosamente uma nova unidade monetária para quantificar seus pedidos de verbas para o governo: o "Patriot". Cada vez que um míssil desses subia atrás de um Scud iraquiano, lá se iam US$ 1 milhão em fumaça... Pois bem, o CNPq precisa de apenas 80 “Patriots" para sobreviver. Seguindo o exemplo de nossos irmãos do norte, proponho aqui uma nova unidade monetária para verbas de pesquisa: o já conhecido "Magri", ou seja, US$ 30 mil (pois, afinal, nossa escala é muito mais modesta). Saibam os senhores leitores que todos os estudantes de pós-graduação bolsistas da Unicamp (mais de dois mil) poderiam ser financiados com a módica quantia de 200 "Magris"!


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 9/7/92.

Entre em contato com o autor.

WWW: http://renato.sabbatini.com/index_p.php
WWW: http://www.cosmo.com.br

Copyright © 1992 Correio Popular, Campinas, Brazil