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O lado leve da ciência

Renato Sabbatini

Cientista também se diverte. Uma revista de circulação internacional, chamada Journal of Irreproducible Results (“Revista de Resultados Irreproduzíveis”), é editada há mais de 30 anos por um alegre e irresponsável bando de professores universitários e cientistas, alguns dos quais já receberam o Prêmio Nobel. O objetivo da revista é publicar artigos fictícios sobre temas pseudocientíficos, mas revestidos de um tom de seriedade e seguindo o mesmo formato das publicações científicas tradicionais. O título da revista brinca com um dos dogmas da publicação de resultados de pesquisa, que é a obrigatoriedade de sua reprodutibilidade por outros cientistas. Um resultado irreproduzível, portanto, é anticientifico por definição.

A publicação já foi definida "a revista MAD da turma do Stephen Hawking" (o famoso físico teórico britânico). Os títulos dos "trabalhos" publicados são hilariantes para quem conhece um pouco de ciência: ‘“Analise Estatística Multivariada de Manchas de Ketchup em Aventais de Laboratório", "Estudos da Dinâmica dos Fechos Eclair". "A Leitura de Livros Causa Câncer?". Alguns são tão bem-feitos, que chegam a provocar duvidas até nos especialistas, tal como "O Efeito da Eletroforese de Foco Isoelétrico Sobre a Dispersão de Pedaços de Fruta em Iogurtes Dietéticos". Naturalmente, a maioria dos artigos é acompanhada de gráficos, diagramas, tabelas estatísticas e de competente bibliografia (inevitavelmente apócrifa e divertida), o que lhes da um aspecto de seriedade, mas provoca ataques de risos nos cientistas de verdade.

O editor da revista, Marc Abrahams, acha que a publicação serve como um bom corretivo para os acadêmicos que se levam muito a sério ou para aqueles que acreditam piamente em tudo o que os cientistas dizem. Ao mesmo tempo, é um ótimo desopilante do fígado no final do expediente (é interessante notar, aliás, que todas as maiores bibliotecas cientificas do mundo assinam a revista, apesar de sua total inutilidade para a divulgação de assuntos ditos sérios). Além disso, muitos cientistas conhecidos têm o hábito de contribuir com artigos para a revista (sob pseudônimo, naturalmente). Uma das diversões prediletas dos leitores é tentar identificá-los através das pistas que deixam ao longo do artigo.

Uma das seções da revista apresenta uma lista de trabalhos publicados em revistas científicas tradicionais, mas que tem títulos ridículos ou tratam de temas esotéricos. Um exemplo é "Efeitos de Beber Água Quente, Água Fria e Canja de Galinha Sobre a Velocidade do Muco Nasal e Sobre a Resistência das Vias Aéreas" (existe de verdade, e foi publicado na seriíssima e respeitada revista médica Chest, sobre doenças torácicas). Outra revista pesquisou sobre o risco aumentado que executivos têm de romper o tímpano ao espetarem a antena do telefone celular no ouvido!

Anualmente, o Journal of Irreproducible Results divulga um prêmio "às pessoas cujos resultados não podem ou não devem ser reproduzidos", e que é chamado de Prêmio Ig-Nóbel (argh!). O vice-presidente norte-americano, Dan Quayle, foi um dos premiados recentemente, devido a sua festejada ignorância. Um exemplo: ser indagado sobre que idioma falaria em sua viagem de boa vontade pela América Latina, ele respondeu (sério), que não sabia falar latim...

Com o clima pesado que anda cercando a ciência nacional, como o cancelamento de financiamento de projetos e bolsas pelo CNPq, e outras sandices, acho que estamos precisando de uma revista deste tipo no Brasil. Um dos prêmios Ig-Nóbeis poderia ser conferido ao P.C. Farias, pelo desvio criminoso de verbas que poderiam estar sendo utilizadas no desenvolvimento científico e educacional do País.

Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 02/07/1992.

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