A matemática do caos
Renato Sabbatini
O
estudo do caos é a
mania mais recente da Ciência em todo o mundo. Ele está sacudindo as
bases tradicionais de muitos campos da ciência, como a Física, a
Matemática, a Astronomia, a Biologia e a própria Sociologia.
Por que o alvoroço?
Até recentemente, predominava o pensamento de que o estudo do caos não
só seria muito difícil (afinal, caos quer dizer justamente isso, ou
seja, ausência de ordem, aleatoriedade, imprevisibilidade... algo
parecido com o estado atual de um certo país que conhecemos), mas
também que não teria muito interesse. Afinal, todo cientista que se
preze tem somente um objetivo na vida: descobrir as leis básicas que
regem a natureza. Existe na ciência uma convicção profunda de que a
natureza é essencialmente simples, dai decorre a busca incessante e
obsessiva por átomos, partículas atômicas, subpartículas,
subsubpartículas, forças e subforças elementares, e por ai vai... È a Lei de Occam, ou
seja, se existe uma explicação mais simples para alguma coisa, ela é a
melhor, ou a mais verdadeira. Portanto, não haveria nada de
interessante no estudo do caos, porque ele seria uma "aberração" das
linhas mestras que o bom Deus traçou para o Universo.
Descobertas recentes, entretanto, mostraram que a coisa não é bem
assim. Observem, por exemplo, a forma caprichosa traçada pela chama de
uma vela durante um certo tempo. Aparentemente, ela é inteiramente
caótica e imprevisível. Na realidade, cientistas conseguiram descrever
modelos (conjuntos de equações matemáticas) capazes de "explicar" estas
mudanças com uma precisão aceitável. Os matemáticos descobriram que
equações matemáticas denominadas não-lineares, são capazes, em
determinadas condições, de descrever fenômenos que parecem não seguir
nenhum padrão regular. O comportamento observado parece inteiramente
aleatório, ou caótico, dai o nome da nova teoria, que pertence a um
campo da matemática denominado topologia dinâmica (a qual descreve a
maneira como as coisas mudam em função do tempo).
Um matemático e físico russo chamado Ilya Prigogine é um dos pais desse
novo campo. Recentemente ele escreveu um livro de divulgação cientifica
sobre o assunto, que se tomou um fenômeno editorial na Europa, apesar
de seu alto nível de tratamento. Outros exemplos interessantes de caos
determinístico (não-aleatório) na natureza, seriam a atividade elétrica
das células cerebrais durante um ataque epiléptico, o comportamento
aberrante de certas redes de computadores interligados, a flutuação de
certos índices e atividades econômicas, o padrão de convecção de
fluidos aquecidos, mudanças climáticas, epidemias, e ate a colisão
entre galáxias.
Um número cada vez maior de fenômenos e aplicações interessantes
aparece todos os meses. Os cientistas estão entusiasmadíssimos, pois,
afinal, a capacidade de realizar predições é a verdadeira medida da
adequação de uma teoria cientifica, e nesse ponto, a teoria do caos
poderá nos ajudar a entender e predizer fenômenos que anteriormente
eram considerados puramente aleatórios. Atualmente, em nenhum campo da
ciência o estudo do caos é mais importante do que o entendimento da
criação do Universo.
Segundo a mitologia grega, Chaos era o estado desordenado e informe, o
submundo e o abismo que existia antes da criação do Universo. Os filhos
de Chaos foram Erebus (escuridão) e Nyx (nada). Mais tarde, Nyx foi o
pai de coisas boas, como o ar (Aether), o Dia, a Terra (Gea) e o Desejo
(Eros); mas também de todas as coisas ruins, que para os gregos eram a
Guerra, a Fome, a Morte e (interessante), os Sonhos. Por sinal, as
religiões judaicas e cristãs perpetuaram (mas não inventaram) esse
conceito da criação do Universo a partir do caos, no livro da Gênese
(Disse Deus: Faça-se a luz; e fez-se a luz. E viu Deus que a luz era
boa; e dividiu a luz das trevas. E chamou de luz, dia, e as trevas,
noite...).
A moderna cosmologia tem reforçado esse conceito, através da teoria do
“big bang”. Segundo ela, no instante zero do Universo não existia
matéria, tempo, espaço ou energia (Nyx). A medida que evoluiu a
inconcebivel explosão (na realidade, uma expansão muito rápida, chamada
de inflação), criaram-se sucessivamente as partículas atômicas, os
átomos, a luz, as forcas primitivas da Natureza, o espaço, o tempo, as
galáxias, os planetas (Gea), e, finalmente, a vida (Eros).
Bonito não? Cada vez mais cercada de provas científicas, essa
intrigante teoria parece corroborar, portanto, as idéias e as lendas de
muitos povos e religiões sobre o fenômeno da Criação, feitas há
milhares de anos. Entender como o caos gerou a ordem é hoje uma das
prioridades da Ciência. As repercussões filosóficas e religiosas desses
estudos são imensas, como se pode imaginar.
Publicado
em: Jornal
Correio
Popular,
Campinas, 19/06/1992.
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