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Um homem chamado Isaac

Renato Sabbatini

Esta semana morreu um dos escritores mais extraordinários deste século: Isaac Asimov, o lendário e talentoso cientista, divulgador da ciência e pai da ficção cientifica moderna. Os seus fãs e admiradores (inclusive eu) se contam aos milhões em todo o mundo. E, sem dúvida, uma grande perda, principalmente porque Asimov, que produzia em ritmo alucinante (houve ano em que ele escreveu mais de dez livros), estava, aos 72 anos, ainda plenamente produtivo e influente.


Pois é exatamente este termo, influente, que descreve bem Isaac Asimov, e permite entender seu papel na historia da ciência no nosso século. Muitos literatos tradicionais e críticos de literatura torcem o nariz para a ficção cientifica, considerando-a um gênero menor. O fato, entretanto, é que Asimov deixou uma marca importante. Embora ele tenha sido o pioneiro e o líder inconteste em um gênero de ficção cientifica caracterizado por se basear em sólidos conhecimentos técnicos e científicos, além de um nível intelectual de primeira ordem, o que realmente o diferenciou dos demais escritores do gênero foi sua atividade como divulgador da ciência para leigos. Ele escreveu incansável e continuamente, dezenas e dezenas de livros sobre os mais variados tópicos, desde a organização e o funcionamento do cérebro, até os cometas e a estrutura do Universo.

Dotado de um espírito irrequieto, instigador, apaixonado, Asimov tinha uma invulgar capacidade de explicar didaticamente os mais difíceis e complexos temas científicos para o público leigo. Nenhum assunto o intimidava, mesmo os que estavam completamente fora de sua área original de competência (ele era um eminente pesquisador e professor de bioquímica). Asimov provocava entusiasmo em quem gosta de aprender (e certamente deve também ter provocado esse gosto em muitos leitores iniciantes), pela sua inabalável fé de que a Ciência é a melhor solução para os infindáveis e incontáveis problemas da humanidade. Alguns de seus livros são verdadeiros clássicos da divulgação cientifica, desde o Código Genético (que chegou a ser adotado como livro-texto em muitos cursos de Biologia), até uma abrangente Enciclopédia da Ciência.

Por outro lado, Asimov estava entre os gigantes que mostraram que a ficção cientifica tem um importantíssimo papel em nossa sociedade. Em primeiro lugar, ela expande a consciência do homem, obrigando-o a pensar antecipadamente sobre problemas éticos, morais, sociais, humanos e econômicos que poderão acontecer um dia. Ela é instigadora do debate e da reflexão sobre a nossa origem e destino, e sobre como deveremos nos comportar quando o futuro chegar. Um robô inteligente será considerado um ser humano? Como reagir em contato com extraterrestres? O que acontecerá se o homem conseguir alterar seu patrimônio genético?

Em segundo lugar, a ficção cientifica tem uma ideação tão poderosa, que chegou a influenciar o próprio desenvolvimento da Ciência. Pouca gente sabe, por exemplo, que o interferon recebeu esse nome por influência de um conto do Flash Gordon, em que os astronautas utilizavam um medicamento com o mesmo nome para combater uma misteriosa virose a bordo da astronave. Outro exemplo: a NASA mantêm um grupo assessor formado apenas por escritores de ficção cientifica, para dar idéias sobre novas formas de exploração espacial. Neste aspecto, Isaac Asimov será lembrado no futuro pelas suas fantásticas e acuradas previsões a respeito de robôs inteligentes. Ele foi o inventor das leis da robótica (robótica, por sinal, foi um dos diversos termos inventados por ele, e que acabou sendo adotada pelos cientistas), que regem, de uma maneira genial, que princípios devem ser embutidos em um robô para que ele jamais provoque danos em seres humanos. Essas leis chegaram até a ser estudadas e debatidas seriamente por filósofos e cientistas, e não há a menor dúvida que, se algum dia forem construídos robôs inteligentes, eles terão que seguir as leis inventadas por Isaac Asimov.  Outro ponto alto foi a excelente série Fundação (um conjunto de seis livros sobre um futuro império galáctico), a qual foi, indubitavelmente, sua obra-prima, e pela qual Asimov atingiu o auge da fama, público e repercussão intelectual.

Asimov, como todo gênio, tinha seus aspectos curiosos e até controvertidos. Era notória, por exemplo, sua falta de modéstia. Outro aspecto prodigioso era seu método de produção, que deixa morrendo de inveja qualquer pessoa que já tenha passado pelas dores do parto de escrever um livro. Ele tinha a capacidade de sentar-se à máquina de escrever (de uns anos para cá, um microcomputador) e produzir de uma só vez um texto absolutamente limpo e final, que ia de sua cabeça direto para a editora, com pouquíssimas correções ou modificações. Com isso, ele conseguia bater recordes de produção, tendo chegado a escrever mais de 350 livros e milhares de artigos e contos. Nem por isso a quantidade chegou a alterar a qualidade, pois ele era um perfeccionista bastante cerebral.


Isaac Asimov foi um tipo único. Existem muitos divulgadores científicos tão bons e produtivos quanto ele, como Carl Sagan, Stephen Jay Gould e outros. Existem muitos autores de ficção tão bons e produtivos quanto ele, como Poul Anderson, Jerry Pournelle e outros. Entretanto, nunca existiu ninguém que combinasse tão perfeitamente essas duas facetas. E agora, infelizmente não existe mais.

Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,  9/4/1992.

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