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Odisséia Marciana

Renato Sabbatini



Odisséia é um termo magnífico e pleno de significados, que invariavelmente associamos a viagens a lugares distantes, explorações e aventuras heróicas. É o nome dado a uma das duas monumentais obras épicas do poeta grego clássico Homero (a outra sendo a Ilíada), e conta a história do regresso do herói Odisseu a Tróia, depois de 10 anos vagando pelo mundo.

Foi este o nome escolhido pelo escritor Arthur C. Clarke para seu livro (que depois virou um dos maiores filmes “cult” de todos os tempos), “2001: Uma Odisséia no Espaço”. E agora, exatamente nesta semana, ficamos sabendo que a NASA batizou de Mars Odyssey 2001 a sua astronave automática, que entrou em órbita com sucesso em torno do planeta Marte. Evidentemente, é uma clara referência e homenagem a um dos maiores inspiradores dos exploradores espaciais.

A NASA estava precisando muito desse sucesso. Desde 1993 vem acumulando uma série de desastres na exploração marciana. O “Mars Observer” (Observador Marciano) desapareceu naquele ano, quando já estava bem próximo ao planeta, provavelmente devido à uma explosão no seu sistema de foguetes. Em 1999, outra astronave não-tripulada, o “Mars Climate Orbiter” (Orbitador Climático Marciano) incendiou-se na fina atmosfera de Marte, por causa de um erro de navegação (confundiram as medidas métricas com anglicanas!). Apenas três meses depois, o “Mars Polar Lander” (Aterrizador Polar Marciano) colidiu com a superfície do planeta, provavelmente devido a um erro no software de computador. Foram mais de um bilhão de dólares literalmente torrados sem nenhum resultado. Os dois únicos grandes sucessos foram o Mars Surveyor (Prospectador de Marte), e o “Mars Pathfinder” (Batedor Marciano), quando o “Rover Sojourner” (algo como Hóspede Vagabundo), o pequeno explorador robótico que cativou o mundo quando saiu andando pela superfície de Marte, em julho de 1997. Aliás, como se vê, falta um pouco de imaginação para os cientistas da NASA e do JPL (Jet Propulsion Laboratory) quando se trata de dar nomes às missões...

Marte exerce um fascínio especial sobre a humanidade, desde que um astrônomo inglês julgou enxergar canais artificiais em sua superfície. Por suas características (um pouco menor do que a Terra, tem calotas polares com gelo, uma atmosfera rarefeita, e uma boa insolação), sempre se imaginou que também podia abrigar vida, e, talvez, até vida inteligente (os famosos “marcianos” de incontáveis ficções científicas). O fato é que, após várias explorações visuais e diretas do solo e da atmosfera (pelas naves não tripuladas Viking e Mars Pathfinder, que pousaram no planeta), nada foi encontrado. Agora o Mars Odyssey voará em uma órbita circular a 400 km de altitude e tem como missão descobrir depósitos de água e gelo e analisar se a radiação que o planeta recebe não coloca risco de vida para os futuros exploradores humanos (a primeira missão tripulada, para a qual a NASA se prepara há mais de 20 anos). Também certamente transmitirá magníficas fotos e filmes da acidentada geografia marciana, que é o corpo celeste mais bem conhecido depois da própria Terra e da Lua.

Essa sim, será uma verdadeira odisséia. Os próprios cientistas da NASA, em suas previsões mais otimistas, acham que uma missão tripulada para Marte tem no máximo 50% de chance de dar certo, ou seja, todos os astronautas voltarem com vida. É um número muito grande de incertezas e perigos, a viagem é longa demais, e os seres humanos são muito frágeis perante a esterilidade infinita do espaço exterior. Apenas um terço de todas as missões espaciais a Marte deram certo, até hoje. A sorte é que não havia ninguém a bordo, senão seria um massacre. O problema, portanto, é voltar (afastando-se, a princípio, a idéia de uma missão suicida...)

O herói Odisseu também tinha esperanças de voltar, tanto é que, ao ser oferecido duas alternativas: voltar para casa para sua esposa, como um mero mortal, ou ficar morando com a deusa Calipso, tornando-se imortal, ele escolheu a primeira. Os gregos o chamavam de “anthropos polytropos”, ou seja, um homem capaz de muitos caminhos. Para que uma missão marciana consiga sobreviver, ela terá que ser muito flexível, ter muitas escolhas e possibilidades, e será o intelecto humano o responsável pela escolha do melhor caminho (ajudado pelos computadores, naturalmente: se Odisseu tivesse computadores de navegação ele teria demorado muito menos tempo para voltar para casa).

Não sei se terei a emoção de ver uma missão tripulada a Marte. Talvez isso seja coisa para mais uns 50 anos. Mas ela poderia ser a primeira grande odisséia da espécie humana, rumo ao espaço sideral!
 

Para Saber Mais

Sabbatini, R.: Explorar planetas? Correio Popular, 24/7/1997
Sabbatini, R.: Vida em Marte. Correio Popular, 5/9/96
Mars Global Surveyor Mission: http://mars.jpl.nasa.gov/mgs/

Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 28/10/2001 .

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