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Exposições e a 
popularização da ciência

Renato Sabbatini

Espero que muitos dos meus leitores tenham tido a oportunidade de visitar a CIENTEC’2001, a interessantíssima exposição de ciência e tecnologia da região de Campinas, que foi organizada a semana passada por nove instituições de ensino e pesquisa. Se não foram, perderam um evento magnífico, emocionante, que vai marcar a história da divulgação científica no Brasil. UNICAMP, PUCCAMP, ITI, CPqD, LNLS, Instituto Agronômico, Instituto Biológico, EMBRAPA e CATI expuseram para a população centenas de projetos e produtos, demonstrando o enorme vigor e criatividade da nossa gente. Coisa de causar orgulho, mesmo.

O mais surpreendente foi a idade média dos visitantes. Eu (e muitos professores e pesquisadores das instituições) esperava que o CIENTEC fosse uma exposição científica mais convencional, em que os visitantes seriam estudantes de graduação e pós-graduação, empresários, etc. No entanto, o que vimos foi impressionante: dezenas de milhares de estudantes da escola fundamental e média, lotando o Ginásio de Esportes e os barracões de lona plástica montados no campus da UNICAMP, onde foi o evento. Centenas de ginásios e colégios do Brasil todo enviaram seus alunos em ônibus para visitarem a exposição.

Foi um verdadeiro “happening” da ciência. Embora houvesse um natural alvoroço da turminha nessa faixa etária, notava-se um interesse e curiosidade incomuns da maioria por tudo que estava sendo exibido. Microscópios mostrando embriões em desenvolvimento, ratos nascidos em ambientes totalmente estéreis, estudantes de odontologia dando orientação sobre escovamento dos dentes, milhares de mudas de plantas, touros reprodutores, sofisticadas imagens de satélite, fibras ópticas e laser, robôs, centenas de computadores mostrando toda espécie de projetos de software; tudo isso formou um mosaico colorido, intrigante e provocador de curiosidade e vontade de aprender.

A UNICAMP já tinha grande experiência anterior nesse tipo de “universidade aberta”, que é muito comum no exterior, mas infelizmente pouco praticado no Brasil. Em anos anteriores, até a coisa ficar inviável pelo tamanho que assumiu, a universidade abria suas portas, seus laboratórios de pesquisa e salas de aula durante um dia para estudantes secundários. Chegou a receber 30 mil visitantes, e a experiência era muito recompensadora para todos, docentes e alunos. O professor universitário dificilmente tem contato com crianças e adolescentes no seu dia-a-dia, e essa brevíssima vivência já era suficiente para mudar algumas perspectivas em nossas cabeças. Um dos resultados, aliás, foi o enorme crescimento de matrículas para o vestibular nacional realizado pela UNICAMP, pois muitos alunos se apaixonavam pela universidade nessa visita, e adquiriam a determinação de nela estudarem, quando fossem fazer o curso superior.

A intenção do CIENTEC de alcançar o povinho jovem foi perfeita, na minha opinião. O pessoal de mais idade já é meio “blasé”, e especializado precocemente. O que estou observando é que cada vez menos alunos do ensino superior participam de congressos. Mas, a oportunidade aberta pelo CIENTEC é preciosa: imaginem quantas vidas não serão mudadas, quantas vocações não serão despertadas, quantos talentos não serão recrutados, pelo simples e rápido contato com algo que encantou aquele jovem, naquele dia específico. Por isso, acho que experiências como essa precisam ser repetidas e aperfeiçoadas.

Nos países desenvolvidos, são muito comuns os museus de ciência voltados para os jovens, as feiras de ciência organizados pelos colégios, e os dias da universidade aberta. Em Munique, é famoso o Deutsches Museum (Museu Alemão), que fica em uma charmosa ilha do Rio Isar, no centro da cidade, e que é um museu interativo absolutamente fabuloso. O mesmo acontece com o Centro Pompidou, em Paris, o Exploratorium, que fica em São Francisco, e o Children’s  Museum of Science de Boston.

No Brasil, uma das experiências pioneiras nesse sentido é a Estação Ciência, que foi montado pelo CNPq e hoje é gerenciado pela USP. Eu participei como consultor de um desses espaços, a Plataforma Informática, e posso garantir que foi uma experiência extremamente enriquecedora. A Estação Ciência ocupa um espaço na Lapa, onde antes existia um ramal ferroviário (daí o nome) e tem centenas de exibições interativas, onde a meninada pode descobrir conhecimentos científicos a partir da manipulação direta de aparelhos de física, química, informática, matemática, etc. Aqui em Campinas, também foi pioneiro o projeto elaborado por um professor de física da UNICAMP, Carlos Argüello, que criou o Núcleo de Melhoria do Ensino de Ciências (NIMEC) e com a ajuda de uma equipe multidisciplinar montou no Parque Portugal (Lagoa do Taquaral), o Museu Vivo de Ciências e o Planetário de Campinas, com o apoio do saudoso prefeito Magalhães Teixeira.

Quando digo que uma simples visita de um estudante a uma exposição ou museu desses pode mudar sua vida, isso não é uma figura de retórica. Já vi acontecer várias vezes. Para exemplificar (e terminar o artigo), os orientadores pedagógicos da Estação Ciência me contaram um caso interessante: um menino de favela sempre se aproximava dos grupos que entravam para visitar a Estação, mas não entrava com eles. Os orientadores foram falar com ele, e ficaram sabendo que ele tinha enorme curiosidade, mas tinha vergonha por não ter sapatos. Os orientadores então fizeram uma vaquinha e lhe deram de presente um par de tênis. A partir desse dia, o menino se transformou. Revelou ser altamente inteligente e criativo, e passou a visitar todos os dias a Estação. Em pouco tempo, já estava atuando como monitor, ajudando os alunos que chegavam a manusear o equipamento, e dando explicações de eletricidade, magnetismo, cinemática, etc., sem nunca ter estudado formalmente. Posteriormente fiquei sabendo que tinha ganho uma bolsa de estudos. Um bandido a menos e um cidadão valioso a mais...

Esse tocante caso mostra como o Brasil tem um brilhante futuro, se investirmos mais em educação. O Fórum das Instituições de Ensino e Pesquisa de Campinas estão de parabéns pelo CIENTEC.


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 7/9/2001 .

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