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O Nobel é Americano

Renato Sabbatini

A safra deste ano dos prêmios Nobel confirma mais uma vez o padrão de dominância dos EUA na ciência mundial. O prêmio é escandinavo, mas a maioria dos premiados é americana: os dois em Economia, dois em Medicina e Fisiologia, dois em Química e dois em Física. O registro histórico é evidência dessa dominância: dos 33 homens que receberam o prêmio Nobel em Química nos últimos 25 anos, 60% são americanos ou fizeram a maior parte do seu trabalho nos EUA. O mesmo aconteceu com 62% em Física, 68% em Economia e 60 % em Medicina.
 
Outra coisa interessante acerca dos nobelistas americanos é que uma grande parte deles não nasceu nos EUA, mas migrou para este país, para aproveitar as extraordinárias oportunidades dadas aos grandes talentos da ciência, independentemente de sua origem nacional. Alan MacDiarmid (Nobel de Química) é neozelandês, Herbert Kroemer (Física) é alemão, e Eric Kandel (Medicina) nasceu na Áustria.
 
 

Alan MacDiarmid
Eric Kandel

Herbert Kroemer

Nos 50 anos que se sucederam à II Guerra Mundial, uma proporção impressionante de físicos e químicos premiados eram imigrantes europeus, que fugiram da perseguição nazista e fascista e da guerra, e ajudaram os EUA a serem a maior potência científica do mundo em física nuclear e armas atômicas (Enrico Fermi, Albert Einstein, Leo Szilard, Hans Bethe, etc.) e em muitas outras áreas. Antes da II Guerra, o padrão era totalmente diverso: ingleses, alemães, austríacos e franceses ganhavam os prêmios em todas as modalidades, pois os EUA tinham ainda um sistema científico relativamente jovem e imaturo. As enormes quantidades de dinheiro gastos para ganhar a Guerra, a atração dos cientistas europeus para o solo americano, e a rivalidade entre a União Soviética e os EUA na Guerra Fria e na corrida armamentista e espacial foram os principais combustíveis da "virada".

Aliás, dinheiro em excesso para os investimentos em ciência é um fator fundamental para entender a dominância dos EUA. A National Science Foundation, um organismo governamental federal de apoio à pesquisa (uma espécie de CNPq de lá) tem 9 bilhões de dólares para investir, e na área médica os National Institutes of Health (NIH), tem outros 7 bilhões. É simplesmente 30 ou 40 vezes mais do que o Brasil investe, apenas essas duas organizações. Além disso, doar dinheiro para pesquisa é um hábito cultural de mais de um século entre os ricos americanos, que dão muita verba para fundar universidades, financiar institutos de pesquisa inteiros, e apoiar pesquisas. São milhares de fundações, algumas delas doando muitas vezes mais do que a verba brasileira para ciência e tecnologia: Melissa and Bill Gates Foundation (recentemente doou mais de 600 milhões de dólares para programas de vacinação infantil, e tem outros 4 bilhões para doar), United Nations Foundation (do milionário Ted Turner, dono da CNN e sócio da Time/Warner/America On-Line, que doou 1,2 bilhão para a ONU), as fundações Rockefeller, Kellog's, Ford, Howard Hughes, McCarthy, etc.

Outro fator importante é o que uma reportagem recente sobre o tema chamou de "o sonho americano", ou seja, um conjunto de filosofias nacionais, que abrangem a democracia estável, a grande mobilidade social através do trabalho e do estudo, o apoio social aos que têm mérito e talento, o estímulo à competitividade extremada, a receptividade à crítica à autoridade estabelecida, o apoio dado à criatividade e iniciativa individual e ao empreendedorismo. São todas características nacionais que são muito identificadas com o espírito científico, e que portanto criam um clima social favorável ao desabrochar e à recompensa das idéias.

Outra coisa curiosa é que o padrão de ensino médio americano não é o melhor do mundo. Os EUA estão em 28o ou 29o lugar no mundo nesse aspecto, atrás de países como o Japão, a Coréia, a Alemanha, a França, a Inglaterra, a Suécia e a Suiça. Essa aparente disparidade é apenas estatística, no entanto. O que tem de escolas de alto nível nos EUA é suficiente para gerar geninhos científicos para os próximos 100 anos. E o ambiente que permite aproveitá-los é o que conta. Talvez existam 10 Einsteins em potencial entre as crianças brasileiras, mas quantas delas poderão ir para um colégio realmente bom, e depois para uma faculdade no nível de uma Harvard ou Princeton, para se desenvolverem? Os americanos são obsessivos em localizar rapidamente esses talentos, e darem apoio para que eles tenham sucesso e contribuam para a nação. Aqui eles são desperdiçados em sua maioria, pois não há ambiente que permita aproveitar seu potencial.

Mesmo para quem é americanófobo e não gosta dos EUA, é difícil deixar de reconhecer as razões positivas para tantos prêmios Nobel em Ciências e Economia (notem que essa dominância não se estende aos prêmios de Literatura e Paz…). Temos, na minha opinião, que tentar imitá-los, e talvez em 30 a 40 anos começaríamos a ter um retorno. Vejam só o sucesso do Projeto Genoma brasileiro, que deslanchou e chamou a atenção mundial graças a investimentos relativamente modestos feitos pela FAPESP. Podemos chegar lá um dia, com certeza.

Para Saber Mais


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,  13/10/2000.

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