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Segredos nucleares

Renato Sabbatini

Há exatamente 50 anos, o FBI prendia um casal de judeus afiliados ao Partido Comunista dos EUA, Julius e Ethel Rosenberg, com base em acusações de espionagem à favor da União Soviética. Havia evidências de que Julius chefiava um grupo de espiões, que tinha obtido desenhos super-secretos de dispositivos de bombas nucleares no Laboratório de Los Alamos, Novo México, onde tinha ocorrido o famoso programa de desenvolvimento da bomba atômica que levou ao final da Segunda Guerra Mundial, o Projeto Manhattan.
O clima nos EUA, na época, era de total histeria anticomunista. A União Soviética ameaçava os EUA com uma destrutiva guerra nuclear, pois tinha explodido com sucesso sua primeira bomba atômica, em 29 de agosto de 1949. Os americanos achavam (com razão, constatou-se muitos anos mais tarde) que boa parte do sucesso nuclear soviético era devido ao roubo de segredos nucleares e à cópia de partes do projeto americano. Alguns meses antes, um físico alemão emigrado, o Dr. Klaus Fuchs, tinha sido preso, e admitido sua culpa em passar planos secretos da bomba para um espião a serviço dos soviéticos, Harry Gold, em 1945. No Departamento de Estado, corria um processo contra Alger Hiss, um funcionário de carreira, acusado também de passar informações secretas para Whittaker Chambers, um confesso espião comunista. E o senador John McCarthy iniciava a época de terror e caça às bruxas, denunciando à nação que havia comunistas infiltrados em todos os setores da vida americana, ameaçando a segurança da nação.

Nesse clima de medo e histeria, foi natural que acontecesse o que aconteceu: baseados em evidências muito tênues, um júri federal condenou o casal à morte na cadeira elétrica, ocorrendo a dupla execução em 19 de junho de 1953 na prisão de Sing Sing, após uma batalha jurídica e de apelos humanos que tomou todo o mundo. Mãe de dois filhos pequenos, Ethel foi executada sem perdão, comprovando-se posteriormente que ela nunca tinha realizado nenhuma atividade de espionagem. Julius Rosenberg morreu negando até o final sua culpa. Fuchs e Gold (também judeus), os dois espiões confessos, que tinham comprovadamente revelado os segredos nucleares aos russos, escaparam da pena de morte e pegaram 30 anos de prisão pelo "crime pior que o assassinato", como o chamou o juiz federal responsável pela condenação dos Rosenbergs.

Voltamos agora para o ano 2000, último ano do século. Os vilões agora são os chineses, um dos últimos regimes comunistas do planeta a sobrev secretos. Os planos de uma ogiva nuclear, a W-88, são muito parecidos com os de uma nova bomba chinesa, e são descobertos por toda parte, em outras agências do governo e até em empresas particulares que trabalham com armas atômicas.

Tudo parece indicar que o caso seria um novo "julgamento Rosenberg", com todos os elementos dramáticos, inclusive os de acusação velada de racismo, feitos também na época. O prestigioso jornal New York Times, como aconteceu também em 1950, inicia uma furiosa e histérica campanha de acusação, na qual toda a imprensa embarca, sem que evidências fortes contra Wen Ho Lee sejam apresentadas. O cientista é preso, e passa oito meses em confinamento solitário, com braços e pernas presos em correntes. O medo se alastra entre os cientistas de Los Alamos, pessoas acostumadas a trabalhar livremente com dados e documentos em seus computadores e escrivaninhas.

Só que a história se desenrolou de forma totalmente distinta do caso Rosenberg. Na semana passada, Wen Ho Lee foi inocentado de 58 das 59 acusações propostas contra ele pelo governo, depois de passar 278 dias na prisão, e foi solto, com um pedido de desculpas do juiz federal que julgou o caso, e de ter admitido sua culpa em apenas em uma acusação de "negligência na manipulação de dados secretos". Dificilmente saberemos as motivações do cientista, que passou 30 horas descarregando as 400 mil páginas, armazenando-as em uma parte não segura do seu computador, e gravando 10 fitas cassete com esses dados, das quais apenas três foram achadas em seu escritório.

O episódio todo deixa algumas lições importantes. Uma é que o clima emocional e acusatório, e o sentimento público sobre ameaças reais ou fictícias à nação têm um papel muito importante e influente sobre as decisões da justiça. Ela, que deveria ser cega, como ocorre na alegoria da estátua vendada e segurando uma balança, é influenciada pela opinião pública. Se esse clima existisse atualmente, seguramente Wen Ho Lee seria condenado a uma severa pena, se não à morte. Outra conclusão é que os Rosenbergs foram possivelmente justiçados de forma exagerada, pois a pequena parte do segredo que revelaram (a conformação da lente de explosivos usada para iniciar a reação em cadeia nuclear na bomba), já era conhecida dos cientistas soviéticos, tendo sido desenvolvida independentemente anos antes dos segredos revelados pelos espiões americanos. A opinião atual é que os soviéticos (e os chineses) teriam desenvolvido a bomba, com alguns meses de atraso em relação às datas reais, mesmo se não tivessem recebido nenhuma informação do programa científico americano (o programa soviético que levou à sua primeira bomba atômica tinha começado seis anos antes, em 1943). Afinal, não é tão difícil assim, os conceitos físicos eram bem conhecidos e amplamente publicados, os cientistas eram muito bons, e os detalhes que precisavam ser descobertos eram uma questão de engenharia, apenas.

Hoje em dia, qualquer nação dotada de um estabelecimento científico formado por bons físicos, e dinheiro em quantidade suficiente, pode desenvolver um programa de armas atômicas em tempo relativamente curto. O que conta é a vontade política. E isso, sim, é assustador!
 

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