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Os crimes ambientais do petróleo

Renato Sabbatini


Nesta semana ocorreu mais um trágico episódio da contaminação ambiental por vazamento de petróleo e produtos derivados, desta vez em um rio que leva a um dos maiores símbolos ambientais nacionais, as cataratas do rio Iguaçu. Parece que o Brasil está se tornando um "campeão" mundial nesses acontecimentos, e todos por culpa da Petrobrás, que, paradoxalmente, é uma das mais capacitadas empresas do mundo na área de exploração e refino de petróleo. Foram dois grandes derramamentos na Baía do Guanabara, um em 1974 (gigantesco, mas que já foi esquecido), e outro neste ano; e agora, o primeiro a acontecer em um rio. Isso, sem contar as dezenas de derramamentos menores em São Sebastião e outros portos, onde a tarefa diária de conexão e desconexão de mangueiras nos navios petroleiros, lavagem dos tanques de óleo e combustível, etc., contamina de forma quase constante as paradisíacas costas brasileiras.
Por que o vazamento de petróleo ou óleo refinado é uma tragédia ambiental tão grande? Os especialistas em poluição das águas sempre enfatizam que esses acidentes deixam marcas por 20 ou mais anos, e que a recuperação é sempre muito longa e difícil, mesmo com a ajuda humana. O motivo é que, embora o petróleo seja um produto natural, originário da transformação de materiais orgânicos em priscas eras geológicas, ele existe apenas em grandes profundidades, entrando muito pouco em contato com o ambiente terrestre, fluvial e marítimo na superfície. Por ser insolúvel em água, e por conter uma mistura corrosiva e venenosa (inclusive de agentes causadores de câncer), tem um efeito devastador e de longo prazo, difícil de combater. O meio ambiente tem poucas defesas naturais para se livrar desse produto estranho.

Existem, é claro, liberações naturais de petróleo em vários pontos da crosta terrestre: são centenas de fontes conhecidas, mas felizmente todas de baixo volume de liberação. O vazamento maciço e abrupto de petróleo na natureza é um artefato exclusivamente humano, que piorou muito com o surgimento dos oleodutos de grande capacidade, que atravessam reservas ecológicas, como a Sibéria e o Alasca (vítimas constantes, também, desses derramamentos) e dos fantásticos navios petroleiros, com milhões de litros de capacidade. Todos devem se lembrar dos desastres dos navios Torrey Canyon e Exxon Valdez. Este último liberou 42 milhões de litros de óleo no Alasca, contaminando 1.900 km de costa e matando 36 mil face=Arial,Helvetica>O petróleo cru, em contato com os rios e os mares, causa terríveis estragos, principalmente para os diversos tipos de plantas e animais que neles vivem. Ele recobre as penas e o pelo dos animais, sufoca os peixes, mata o plâncton e os pequenos crustáceos, algas e plantas na orla. Os mangues e as zonas ribeirinhas são especialmente susceptíveis, pois o óleo, ao recobrir as raizes áreas das frágeis plantas do manguezal, impede sua nutrição, matando-as. A baixa velocidade da água e o emaranhado vegetal típico dessa região impede sua limpeza. Aliás, a maioria dos métodos de remoção forçada do petróleo do meio ambiente, como água quente, vapor, ou solventes, é mais danoso do que o próprio óleo. Costas arenosas também são muito susceptíveis, por absorverem o óleo e exigirem difíceis e longos procedimentos de remoção. Para se ter uma idéia dos custos, no desastre do Exxon Valdez, cada pássaro salvo custou 30 mil dólares, e cada foca marinha custou 80 mil dólares!

Eventualmente o ambiente se recupera, através da evaporação e biodegradação do óleo por micro-organismos, pela emulsificação (mistura com a água) e pelo depósito em sedimentos do fundo. A recuperação dos rios é muito mais lenta e os danos são maiores, pois a velocidade da água é menor, não existem ondas, e pelo fato da área ribeirinha ter um perfil menos irregular que as zonas costeiras marítimas. Além disso, a contaminação do rio acaba por ser levada ao mar, não ocorrendo no sentido oposto.

Por tudo isso, embora se argumente que "acidentes acontecem", e que são impossíveis de prever, a Petrobrás deve realmente ser punida com severas penas, e não apenas com multas. O dinheiro que a Petrobrás vai ter que pagar poderia ser imensamente mais bem aplicado em medidas de prevenção, vigilância e modernização de suas instalações, a um custo centenas de vezes menor do irá causar agora, depois do desastre.
 


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,  21/7/2000.

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