Publicado em 30/07/2004 às
02:00
Por Renata Costa
Quando se fala da capacidade de cura que a Homeopatia tem em
diversos casos, nenhum cético duvida. O que eles afirmam
categoricamente é que esta terapêutica não é Ciência. "Homeopatia
pode ser religião, dogma, qualquer coisa. Mas não Ciência", afirma
Renato Sabbatini, professor do Departamento de Medicina da Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas).
Isto porque segundo Sabbatini e outros incrédulos, não há
evidências empíricas e nem comprovações metodológicas. "Claro que
nós conhecemos o famoso efeito placebo. Pela simples crença em
alguma coisa, já está comprovado que há melhoras de sintomas
subjetivos de 30% a 40% dos casos em qualquer teste. Para um
medicamento provar que fez efeito ele tem que causar melhora nos
sintomas subjetivos com valor maior do que este", afirma Renato
Zamura Flores, professor do Departamento de Genética da UFRGS e
militante da ONG (organização não-governamental) sobre ceticismo
Sociedade da Terra Redonda.
Se por um lado os céticos afirmam que o efeito da Homeopatia é
placebo, ou seja, as pessoas ficariam curadas pelo fato de
acreditarem no que estão ingerindo e não pela atuação medicamentosa
em si, o que dizer quando a terapêutica é utilizada para animais? "A
efetividade da Homeopatia quando utilizada em rebanho bovino e
animais selvagens mostra que não pode ser efeito placebo", afirma
Luiz Miguel Mangini, veterinário e presidente da Associação
Médico-Veterinária Homeopática Brasileira. A Embrapa (Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária) também já utiliza medicamentos
homeopáticos para sanar doenças em gado de corte.
Em casos nos quais os sintomas subjetivos são irrelevantes, como
uma pneumonia, a homeopata Regina Moura, professora do Departamento
de Medicina da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), diz
que a efetividade está mais do que comprovada. "Essa historia de que
remédio homeopático demora muito pra atuar não é verdade. O tempo de
cura é proporcional ao tempo de aparecimento da doença. Uma
malignidade que tenha se desenvolvido ao longo de anos, como uma
artrose, por exemplo, não vai ser curada de um dia para outro nem
com Homeopatia nem com nenhum outro medicamento. Alguém com
amidalite ou pneumonia que tenha surgido de uma hora para outra, nos
padrões da Homeopatia eu tenho que ter certeza que ela está
melhorando e o remédio está agindo nos primeiros 30 minutos ou devo
trocar o remédio. Já se ela estiver à base de antibiótico, só tenho
certeza que ele está agindo 24h, 48 horas depois. Isto prova que o
homeopático age em menor tempo", afirma a médica.
Quanto às comprovações metodológicas, no entanto, homeopatas e
críticos concordam que elas não existem. Isto porque na escala em
que é feita a diluição das substâncias para os medicamentos deste
tipo, não há preservação do princípio ativo de qualquer que seja a
molécula.
Os homeopatas não sabem explicar como é que a terapia pode ser
efetiva, uma vez que o princípio ativo não existe mais neste grau de
diluição. A suposição mais aceita é de que a água ou o outro
solvente utilizado guardaria uma "memória" do princípio e poderia
agir no organismo. "Se eles estiverem certos, toda a Farmacologia é
uma bobagem", diz Flores.
O professor Flávio Dantas, professor de Homeopatia do curso de
Medicina da UFU (Universidade Federal de Uberlândia) e professor de
Clínica Médica da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), é um
dos defensores de que as pesquisas sejam ampliadas e intensificadas
para que se entenda o fenômeno que se dá na manipulação do
medicamento. Algumas pesquisas a nível molecular foram feitas fora
do Brasil e alguns dizem que se comprovaram erradas, outros afirmam
que não.
Por enquanto, os homeopatas defendem que os positivos resultados
clínicos são o bastante. "Não se pode pesar em gramas a quantidade
de uma luz vinda de uma lâmpada. Há medidores mais adequados para
isto. A medicação homeopática é energética, então só será possível
sua comprovação com uma medição diferenciada. Ela realmente funciona
e isto pode ser provado por grupos controles de pacientes para se
medir a melhora nos sintomas, mas ainda não é possível provar nada a
nível molecular", afirma Severino Fontes Neto, chefe do Departamento
de Homeopatia da Faculdade de Medicina da UFPE (Universidade Federal
de Pernambuco).
Semelhante cura?
Os críticos desta terapêutica vão ainda mais além, criticando
também o princípio de que semelhante cura semelhante. Enquanto os
homeopatas defendem a idéia, afirmando ser um pensamento anterior à
Homeopatia, tendo sido primeiro colocado por Hipócrates, o pai da
Medicina, os céticos dizem que isto não tem qualquer valor hoje em
dia.
"O fato de vir de Hipócrates não significa absolutamente nada.
Ele acreditava que todas as doenças eram causadas pelo desequilíbrio
da bile amarela, da bile negra, do fleugma e do pus. Ninguém mais
acredita nisto no século XXI. Coisa antiga não é sinônimo de
verdade", diz Sabbatini.
Por conta destes pontos, o grupo "Medicina Responsável", do qual
o médico da UFRGS, Renato Flores, faz parte, entrou com processo na
Anvisa (Associação Nacional de Vigilância Sanitária) pedindo que os
medicamentos homeopáticos tenham que ser submetidos aos mesmos - e
caros - processos que os outros remédios para conseguir aprovação.
"O remédio pronto não passa por fiscalização nenhuma e não precisa
de teste de eficácia biológica. E só por que é uma tradição milenar?
Se for assim, então vamos regularizar o xamanismo como especialidade
médica", ironiza.
O que é Ciência?
Definir o que é Ciência passa por discutir os modelos de
pensamento vigentes em cada época. Há várias correntes de pensamento
e, até então, por todas as mais aceitas, a Homeopatia é classificada
- por sua falta de comprovação metodológica - como não-ciência. Os
homeopatas José Romão e Jorge Storace, autores do livro
"Homeopatia", da Coleção Para Saber Mais, da Editora Abril, no
entanto, apontam um caminho pelo qual poderia haver luz no final do
túnel para esta terapêutica ganhar status científico.
Segundo eles, o modelo da Complexidade, proposto pelo filósofo
contemporâneo Edgar Morin, tem como principal premissa a de "seja
qual for a verdade última sobre a realidade da natureza e do
universo, ... , essa verdade é e será sempre de uma complexidade que
ultrapassa a compreensão pela mente humana", evitando cair na cilada
de explicações por opostos irredutíveis. Será a Ciência uma questão
de definição?
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