Debate com Renato Sabbatini (UNICAMP)
no SuperChat 

Revista Superinteressante Abril
Data: 1/6/2001 18:00-19:00 h.

Tema: Medicina Doente


(18:06:05) Renato Sabbatini: Olá, boa noite para todos, meu nome e Renato Sabbatini e estarei discutindo com vocês hoje sobre "Medicina Doente" 

(18:06:08) Selecionadora SUPER: Boa tarde a todos! A SUPERINTERESSANTE agradece a presença do Dr. Renato Sabbatini para debater a crise na Medicina. Bom papo a todos!

(18:08:20) Renato Sabbatini: Creio que o objetivo hoje é conversarmos sobre os temas que estão afetando o status da medicina na atualidade, como o crescimento da medicina alternativa, a crise profissional dos médicos e outros profissionais de saúde, as falhas da medicina em achar a cura para doenças importantes, etc. 

(18:08:43) lais fala para Renato Sabbatini: renato, o senhor é adepto das técnicas da medicina orientaL? 

(18:08:57) Renato Sabbatini: Estou a disposição de vocês para perguntas que quiserem fazer ou temas que quiserem colocar. Agradeço à UOL e à Superinteressante por esta oportunidade 

(18:09:36) Renato Sabbatini: Depende, Lais, a que técnicas você está se referindo, a acupuntura? 

(18:10:46) Leila fala para Renato Sabbatini: Por que o senhor acredita que a medicina está com problemas? 

(18:11:12) lais fala para Renato Sabbatini: sim, acupuntura é uma delas.. tem também o shiatsu, até mesmo a yoga com fins curativos... o que acha disso tudo: charlatanismo ou ciência? 

(18:12:25) Renato Sabbatini: Respondendo primeiro à pergunta da Lais, a acupuntura é uma técnica milenar que foi investigada por cientistas ocidentais. Eu mesmo participei como neurofisiologista de pesquisas nessa área. Para a área de anestesia, parece funcionar bem, inclusive para animais. No entanto, as demais "propriedades curativas", como emagrecimento, diabetes, parar de fumar, etc., não estão documentadas cientificamente. 

(18:13:30) Renato Sabbatini: A yoga tem efeitos benéficos sobre o organismo, por ser um exercício, como todos os outros. Por isso reforça o sistema imune e pode facilitar a recuperação clínica do individuo 

(18:13:42) leonardo fala para Renato Sabbatini: Vc não acha que a medicina no Brasil está doente devido à maracutaia do governo em sucatear os hospitais públicos, e incentivar a saúde privada. Também a medicina hoje é muito mais burguesa do que antes e com isso se cumpre o McNamara falou que era mais fácil, rápido, higiênico, matarmos os guerreiros ainda no útero, isso quer dizer, acabar com a miséria acabando com o miserável e não distribuindo renda???? 

(18:14:16) Renato Sabbatini: Leila, toda área complexa do conhecimento humano tem problemas, mas as da medicina (brasileira) estão se concentrando nas áreas ética e profissional. 

(18:16:28) Renato Sabbatini: Leonardo, é verdade que a saúde privada no Brasil cresceu enormemente devido à negligência do estado brasileiro em cumprir com qualidade e igualdade o seu papel constitucional de "saúde para todos". Mas a saúde pública até que melhorou em alguns aspectos. Com relação ao passado, o brasileiro hoje está melhor do que há 30 anos nesse setor. 

(18:16:35) bioengenharia USP fala para Renato Sabbatini: porque apesar de tantos estudos científicos grande parte da sociedade ainda acredita em formas milaborantes de cura... 

(18:17:39) Renato Sabbatini: Olá, pessoal da bioengenharia da USP, boa noite. Concordo com sua afirmação e acho que é falta de educação científica da população, e também de uma boa dose de ceticismo em relação a curas milagrosas. 

(18:17:47) Marcelo grita com Renato Sabbatini: quais chances de recuperação para quem tem esclerose múltipla ? 

(18:18:47) Renato Sabbatini: Além disso, pessoas com problemas sérios e insolúveis de saúde (até mesmo pessoas inicialmente céticas), quando ficam desesperadas, costumam "apelar" para qualquer coisa que seja uma promessa, mesmo que sutil e não substanciada pela ciência. Quem não conhece casos assim? 

(18:19:40) Renato Sabbatini: Marcelo, não sou especialista no assunto, mas creio que somente a engenharia genética poderá dar alguma esperança definitiva para os que sofrem desta doença. Por enquanto ela não tem cura. 

(18:20:18) bioengenharia USP fala para Renato Sabbatini: o que só vem a mostrar o quanto frágil é o ser humano, não só fisicamente, mas espiritualmente... 

(18:20:22) Rafaela fala para Renato Sabbatini: O que o Sr acha da medicina e remédios alternativos? 

(18:21:35) Renato Sabbatini: A medicina científica nunca teve tantas glórias, nunca curou tanta gente como hoje, e nunca aumentou tanto a longevidade como nesse começo de milênio. Paradoxalmente, ao ser encarada como "perfeita" pela população, isso cria mais frustração, pois ela é ainda impotente perante doenças comuns como um simples resfriado, herpes, AIDS, etc. 

(18:23:12) Renato Sabbatini: Rafaela, quase todas as chamadas medicina alternativas não tem comprovação cientifica séria para o que apregoam. No entanto, muitas dessas abordagens funcionam de forma limitada, pois existem efeitos, como o placebo, comprovados. 

(18:23:24) leonardo fala para Renato Sabbatini: Segundo resposta dada ao pessoal da USP, vc é ateu??? Todo médico em sua maioria são ateus???? 

(18:23:39) leonardo fala para Renato Sabbatini: O que vc diz de pessoas que são curadas de câncer, aids, e outras doenças "incuráveis" e atribuem ao Senhor Jesus??? Vc acredita que Deus e a medicina podem caminhar juntas para um progresso ainda maior em curas???? 

(18:24:41) Renato Sabbatini: Bioengenharia, o ser humano é um paradoxo ambulante. Temos um cérebro sem igual no reino animal e um corpo fragilissimo, sem defesas, nu. Mas, ao mesmo tempo, nosso cérebro, por ser tão complexo, também é frágil em muitos sentidos. Basta dizer que 60% dos seres humanos sofre de pelo menos um distúrbio mental durante sua existência

(18:25:23) Renato Sabbatini: Bom, pessoalmente eu sou ateu. No Brasil não sei, mas nos EUA, 85% dos cientistas são ateus ou agnósticos. 

(18:26:00) Dr.Jekyll fala para Renato Sabbatini: O sr. poderia desmistificar a conversa fiada de q. usamos apenas 5% de nossa capacidade cerebral? 

(18:26:54) Renato Sabbatini: Mas devemos respeitar a fé das outras pessoas. A fé, quando potencializa a sugestionabilidae orgânica (psicossomática) pode realmente ajudar uma pessoa a encontrar o caminho da recuperação, mas acredito que esse efeito não seja tão poderoso assim. Afinal, nunca ninguém viu um milagre reconstituir um membro amputado, não é? 

(18:27:59) Renato Sabbatini: Dr. Jekyll, boa pergunta! Isso é um mito. Na revista Cérebro & Mente (http://www.epub.org.br/cm ) existe um debate muito interessante sobre isso na sessão Brainstormings. 

(18:28:25) Dr.Jekyll fala para Renato Sabbatini: Homeopatia é confiável? 

(18:28:58) Renato Sabbatini: Na realidade, o mito é de que usamos apenas 10%. Bom, se usassemos só isso, o cérebro atrofiaria!! Pois é uma lei da biologia que todo órgão em desuso atrofia (veja o que acontece com os músculos de um paraplégico) 

(18:30:42) Renato Sabbatini: Escrevi uma série de artigos sobre (e contra) a homeopatia, para o jornal Correio Popular de Campinas (http://www.nib.unicamp.br/recursos/homeopatia ). Minha posição é que a maior parte dos estudos científicos demonstrou que o efeito dos medicamentos homeopáticos não se distingue do placebo. 

(18:30:59) Dra. Ju fala para Renato Sabbatini: O senhor acha que o excesso de tecnologia na medicina é uma exigência da atual formação dos médicos ou dos pacientes, que assim confiam mais e se sentem mais seguros? 

(18:31:09) Renato Sabbatini: Além disso, usar homeopatia para tentar doenças graves, como câncer, beira a irresponsabilidade ética 

(18:32:20) Renato Sabbatini: Dra. Ju, concordo totalmente, mas o "excesso" no caso é muitas vezes forçado pelo próprio paciente, que deseja ter a maior segurança possível. Isso aumenta muito o custo da medicina. Em outros casos, são alguns médicos inseguros e malpreparados, ou por interesses mercantilistas (não todos, evidentemente), que forçam a realização de exames mais caros. 

(18:32:42) Leila fala para Renato Sabbatini: Qual é a tendência dos futuros medicamentos? Como eles atuarão no nosso organismo sem tantos efeitos colaterais. 

(18:34:15) Renato Sabbatini: Leila, os futuros medicamentos serão quase todos na linha de tecnologia genética (recombinante). Por isso serão altamente específicos para "desligar" certos genes deletérios, ou ativar outros, de auto-defesa. Mas não existe intervenção artificial no organismo humano que não tenha efeitos colaterais, até mesmo as genéticas 

(18:34:27) bioengenharia USP fala para Renato Sabbatini: temos observado e a ciência comprova que o homem está vivendo mais tempo, mas esse aumento do tempo de vida pode trazer problemas de saúde, como a osteoporose, quais são os outros problemas relacionados com o aumento da expectativa de vida...... 

(18:35:49) Renato Sabbatini: Bioengenharia, problemas de saúde são resolvidos com mais tecnologia médica.... 

(18:36:17) Renato Sabbatini: Segundo os especialistas, somente a mutação cumulativa, causada por raios cósmicos e outros agressores ambientais é que não seria evitável. 

(18:36:17) Oliver pergunta para Renato Sabbatini: Boa noite.Como o Sr. vê a atuação do ministro José Serra de um modo geral ? 

(18:37:35) Renato Sabbatini: Boa noite, Oliver, o ministro José Serra, sendo o primeiro ministro da saúde que não é médico, tem tido uma atuação surpreendente. Suas aparições públicas e sua postura de defesa dos medicamentos genéricos e da quebra da patente dos medicamentos contra a AIDS têm sido corajosas. 

(18:37:52) Rafaela fala para Renato Sabbatini: O Sr. acha que a clonagem de seres humanos pode beneficiar e promover avanços na medicina? 

(18:39:29) bioengenharia USP fala para Renato Sabbatini: e sobre a clonagem de órgãos para transplantes... 

(18:40:23) Renato Sabbatini: Rafaela, estou convicto que sim. Até escrevi um artigo sobre isso (http://www.sabbatini.com/renato/correio/medicina ), em que faço uma lista dos potenciais benefícios e casos em que seria sem dúvida adotado. 

(18:40:58) Dr.Jekyll fala para Renato Sabbatini: Falando em Aids, e o programa brasileiro de combate à Aids seria tão eficiente se não fosse o modelo biomédico combatido pelos alternativos? 

(18:41:01) Renato Sabbatini: Quanto à clonagem de órgãos para transplante, sou totalmente a favor, não vejo maiores obstáculos éticos, DESDE QUE seja para o próprio doador ou parente histocompatível 

(18:41:48) Silvia fala para Renato Sabbatini: Sobre a capacidade cerebral, bem, não usamos apenas 10% dela, mas, por outro lado, podemos considerar que não usamos todas as nossas seis inteligências (musical, matemática, corporal, etc) 

(18:42:08) Renato Sabbatini: Caro Jekyll, imagine todos os HIV+ brasileiros sendo suspensos do coquetel e tratados apenas com as aguinhas da homeopatia. Seria uma catástrofe. Nem os homeopatas propõe tamanha sandice. 

(18:42:41) leonardo grita com Renato Sabbatini: O que vc acha da procura intensa pela medicina. Busca de melhores salários ou amor à medicina. Isso de repente não é um ponto negativo para curas tão esperadas??? 

(18:43:14) Adriano-SP fala para Renato Sabbatini: Prezado Renato, conheço seu trabalho, assisti a algumas de suas palestras. Qual a sua opinião sobre o atual nível de informatização dos nossos hospitais? 

(18:43:36) Renato Sabbatini: Caro Leonardo, pode ver que apesar de tudo, medicina é uma das pouquissimas profissões onde não há desemprego :-)  Devo dizer também que o salário não é nenhuma maravilha (segundo a AMB, 40% dos médicos brasileiros ganham 1500 por mês ou menos, depois de estudar 30 anos), mas ainda é melhor que a grande maioria

(18:45:33) Renato Sabbatini: Adriano, nosso nível de informatização ainda é muito baixo, por dois motivos: os hospitais não tem capacidade de investimento ainda (com exceção dos hospitais super-privilegiados, como o Einstein), e porque a cultura interna da Medicina ainda é resistente. 

(18:46:03) Alexandre S. Moan fala para Renato Sabbatini: O Sr. enxerga uma conexão diretamente proporcional entre essas falhas operacionais da medicina moderna e o crescimento dos usuários dos métodos "Alternativos" , não baseados em um método científico? 

(18:46:43) Renato Sabbatini: Silvia, sobre a capacidade cerebral, parabéns, é isso mesmo. As pessoas têm perfis diferentes quanto ao uso das chamadas 6 inteligências, e temos que respeitar essa diversidade. Todos somos inteligentes e burros ao mesmo tempo, dependendo da área ! 

(18:47:45) leonardo fala para Renato Sabbatini: Valeu!!!!!!!!! 

(18:48:18) Renato Sabbatini: Alexandre, esta conexão para mim não é tão clara. Acho que ela está ocorrendo mais em virtude um "marketing" mais eficiente e ilusório da medicina alternativa. Já reparou que eles sempre prometem um monte de coisas? A medicina científica é muito mais realista, cética, e até um pouco cínica, eu diria, pois conhece suas próprias limitações. 

(18:49:18) Izabel fala para Renato Sabbatini: Professor Sabbatini.. eu já assisti a uma palestra tua na SBPC do ano passado e eu gostaria de saber o q o sr. pensa do mercado de trabalho para o bioinformata

(18:49:37) Renato Sabbatini: Obrigado, Leonardo, está sendo um enorme prazer e uma experiência muito interessante conversar com todos vocês. 

(18:50:46) Silvia fala para Renato Sabbatini: Ainda sobre as seis inteligências, recomendo o livro de Howard Gardner, Inteligências múltiplas, para quem quiser aumentar sua inteligência, o livro Super Brain Power e The Einstein Factor 

(18:50:58) Renato Sabbatini: Izabel, o mercado é simplesmente BRILHANTE. Nos EUA e na Europa existe já um déficit agudissimo de gente, e quem é bom nessa área está ganhando o que quer. O melhor é que o mercado vai multiplicar por 10 ou 20 nos próximos anos. Se eu fosse iniciar uma carreira hoje, escolheria bioinformática, sem sombra de dúvida, devido ao progresso da medicina genética molecular. 

(18:51:02) Oliver pergunta para Renato Sabbatini: O sr. acha que os laboratórios deveriam investir na melhoria dos coquetéis anti-aids (redução de efeitos colaterais), ou concentrar os investimentos na descoberta de uma vacina??? 

(18:52:24) jacmine sorri para Renato Sabbatini: tenho que reconhecer que você e um gênio 

(18:52:29) marcie fala para Renato Sabbatini: Boa noite..o que é mesmo neurofisiologia?? 

(18:52:48) Renato Sabbatini: Oliver, os medicamentos que combatem o vírus em nível extra e intracelular devem progredir muito ainda (existem muitas esperanças em novos medicamentos que impedem a transcrição do vírus, por exemplo). A vacina é muito dificil (veja que até hoje não temos vacinas eficientes para muitos vírus particularmente mutantes), e o HIV é especialmente traiçoeiro nesse aspecto. 

(18:53:35) Renato Sabbatini: Sorrindo para Jacmine: obrigado, mas não me considero, não, apenas gosto de transmitir todos os conhecimentos que adquiro para o público e meus alunos. 

(18:53:54) Renato Sabbatini: Marcie, neurofisiologia é o estudo das funções do sistema nervoso. 

(18:54:03) bioengenharia USP fala para Renato Sabbatini: o que o Sr. pode nos dizer sobre as mais diversas interações que temos hoje entra a medicina e outras ciência, e porque alguns profissionais da medicina oferecem uma certa resistência a esse tipo de interação? 

(18:54:26) Renato Sabbatini: Além disso sou especializado também em informática médica. E escrevo como divulgador científico para vários jornais e revistas. 

(18:54:33) Oliver fala para Renato Sabbatini: obrigado pelas informações e parabéns!!! Sucesso e boa sorte !!! 

(18:55:27) Med fala para Renato Sabbatini: para escolher a bioinformática ,em qual curso nós devemos entrar na faculdade? 

(18:55:56) Renato Sabbatini: Otima pergunta, bioengenharia. Os médicos ainda se consideram mais para o lado da arte e das ciências humanas, do que para a ciência ("hard science"), pois tem um contato humano avassalador. Por isso vêem com ceticismo os mercadores de tecnologias não comprovadas. Mas, quando uma realmente funciona, são rápidos em adotar ! Veja tomografia) 

(18:56:36) Renato Sabbatini: Med, para escolher bioinformática como carreira, sugiro entrar em biologia, e fazer pós-graduação em informática. Precisa gostar das duas coisas ao mesmo tempo, e ter uma mente interdisciplinar. Mas devo dizer que aqui na Unicamp, está começando um curso de aperfeiçoamento em que metade dos participantes vem das ciências exatas. Por isso têm que fazer um "estágio" para aprender biologia e genética antes.  

(18:58:26) Renato Sabbatini: OK, pessoal, infelizmente estamos chegando ao fim, pois a sala vai ser usada para outro bate-papo. Devo dizer que gostei muito dessa experiência e que gostaria de ter outras oportunidades como essa. Até logo para todos, felicidades e muito sucesso. 

(18:58:56) Adriana de Barros/UOL: O UOL agradece a presença de Renato