Eric Harris e Dylan Klebold eram, ou ao
menos demonstravam ser, dois adolescentes americanos comuns até o
dia 20 de abril de 1999, quando invadiram armados a escola em que
estudavam, no Colorado - a Columbine High School. Mataram doze
alunos, um professor, e depois se suicidaram. Uma tragédia que
chocou o Mundo e que foi relacionada à um hábito, quase um vício,
dos dois garotos: o game Doom - o precursor dos jogos de violência
em primeira pessoa, onde a arma aparece na tela, em primeiro plano,
como se estivesse nas mãos da própria pessoa que está jogando,
deixando a sensação exata, para quem joga, de que está atirando e
matando quem aparece pela frente.
O Doom acaba de
completar 10 anos e a sua criação foi um verdadeiro marco na era dos
jogos eletrônicos (foi licenciado por militares americanos com o
objetivo de treinar soldados para matar). Sua concepção - violência
gratuita, derramamento de sangue e visão em primeira pessoa -
influenciou toda a produção de games do gênero, o que desencadeou
uma verdadeira geração de jovens aficionados pelo realismo caótico
desses games (que se multiplicaram em quantidade e intensidade, cada
vez mais violentos e abordando temáticas sociais). Em conseqüência,
ganhou o Mundo uma ampla discussão sobre os perigos que este tipo de
game traz para quem os joga: distúrbios de comportamento,
dessensibilização à violência, popularização das armas
etc.
"O comportamento violento não só é
personalizado, mas torna-se conseqüente às decisões e às ações do
jogador, mecanizado e desumanizado pela situação criada pelo jogo.
Querem meio mais eficiente de treinamento para a violência ?" ,
analisa o Neurofisiologista da Unicamp, Renato Sabbatini,
especialista em perfis de assassinos e psicopatas. Para a psicóloga
Ana Cristina Colin, os jogos eletrônicos podem se infiltrar no
subconsciente do jogador, sendo responsáveis por muitas atividades
violentas e até de delinqüência. "Agressividade, egoísmo,
dificuldade de socialização e de troca afetiva são as conseqüências
do excesso de exposição à violência dos games",
explica.
Para os viciados neste segmento de
games, a influência não se desenvolve de forma tão direta. "Acredito
que o maior problema está na banalização das armas. Elas se tornam
algo do seu cotidiano. Eu mesmo sempre tive aversão à armas, mas de
tanto jogar America's Army passei a ter uma curiosidade e um
interesse cada vez maior por armamentos", conta o biólogo José Luiz,
de 30 anos, que joga o America's Army pelo menos duas horas por dia.
O game, em primeira pessoa, foi desenvolvido pelo Exército
Americano, depois do atentado terrorista de 11 de setembro, e
realmente incentiva o interesse pelas armas. José, agora, já espera
pela oportunidade de dar seus primeiros tiros de verdade. "Mas só se
for num estande e sem qualquer risco",
justifica.
Ainda há os que consideram a violência
dos games relaxante - como uma válvula de escape para as tensões do
dia-dia. "É uma forma de diminuir o estresse, aliviar as tensões,
relaxar e ficar em paz", afirma o publicitário Fellipe Valença, 25,
quecostuma virar noites jogando Counter Strike - um mod do Half Life
que substituiu os monstros por humanos.
Mas não
há como desvincular algumas tragédias recentes da violência exposta
nos games. Como justificar então o aterrorizante o ritual do
estudante de medicina, Mateus da Costa Meira, que, em novembro de
1999, então com 24 anos, disparou tiros de submetralhadora contra 40
pessoas dentro de um cinema, no Morumbi Shopping, em São Paulo -
matando três delas. Matheus repetiu exatamente os passos que são
realizados no Duke Nuken (um dos muitos que seguiram a linha criada
pelo Doom). A entrada no cinema, a rajada de tiros no espelho do
banheiro, a escolha e até a regulagem da arma, foram uma minuciosa e
assustadora repetição, na vida real, do que ele fazia na tela do
computador.
"Desde cedo, as crianças,
adolescentes e jovens crescem achando que é normal ver o próximo
sempre como rival e que precisa ser eliminado. Os videogames fazem
parte daquele conjunto de fatores constitutivos da chamada cultura
da morte, cuja ação devastadora tem criado perturbações e
desarranjos descomunais, em todos os níveis da vida social",
escreveu o doutor em sociologia paulista Valmor Bolan, em seu artigo
"A Influência dos Videogames". |